Anna Ribeiro (*)
Dia da Independência – imponente, potente. A mim, particularmente, soa provocativo. Divido minhas inquietações com você. Dia da Independência. Dia da Independência. Dia da Independência… Ecoa infinitamente dentro de mim.
Somos seres sociais, relacionais e buscamos alguma autonomia. Mas será que daria para falar em independência? Escolhemos profissões, parceiros de vida, preferências musicais e alimentares. Mas será mesmo que escolhemos ou somos escolhidos, inseridos dentro de um roteiro já definido?
Vamos construindo armaduras, buscamos a tal estabilidade financeira e afetiva. Mas elas nos protegem ou nos aprisionam? Uma profissão, um casamento libertam ou aprisionam? Você teria o atrevimento de abandonar uma carreira que te torna infeliz após vinte anos?
Formou-se médico, mas nasceu para ser piloto de avião. Agora, os momentos mais felizes da carreira bem sucedida são quando viaja e escuta os sons da decolagem. Voa junto e, por algumas horas, usa em si o próprio bisturi.
O que dizer das pequenas omissões cotidianas? Casamento longo, mas com felicidade curta. Entre um sorriso público e uma lágrima escondida escorrem preciosos dias. Desfazemos aniversários. Desfazemos expectativas. E tudo vai ficando perigosamente confortável.
Felicidade implica coragem e muito trabalho. Não é apenas sobre si, mas sobre pertencer a si e não às normas, às regras, ao socialmente esperado. Só você consegue mensurar quanto de seca ou oceano carrega dentro de si.
Expandir-se é tarefa das mais difíceis, pois passa, primeiro, por rasgar-se, desconstruir-se. Ressaca de mar. É preciso seguir tropeçando em dúvidas, encarando questionamentos. A melhor forma para construir-se é duvidando de si constantemente.
Entre contos, versos e mentiras vamos desenhando pequenas histórias. Alugamos medos. De incerteza em incerteza construímos a nossa história como uma tela em luz e sombra. Olhar para dentro ou para fora? Não sei, mas tenho certeza de não saber. E isso me consola de forma tão arrebatadora que mais parece um acidente que um colo.
A mim parece tão irônico falar em Dia da Independência! Não vivemos uma vida independente, não temos sonhos independentes, não temos agendas independentes! Estamos contidos em tantas camisas de força, em tantas regras, em tantos conceitos, pré-conceitos, arbitrariedades e ainda assim bradamos: “Independência ou morte!”. Confuso! Incoerente, no mínimo.
Compartilho com você meu sentimento: não há corpo que me contenha, não há regra que me amarre, não há santo que dê jeito. Não há nada mais simples. Existo na constante interrogação do que existe. Ando em círculos e em linha reta. Ando na linha.
Às vezes me jogo, salto, voo longe, mas tão longe que chego a me encontrar. Nada me define, nada me traduz. Sou de uma simplicidade que a sua matemática nunca vai conseguir resolver. Não há problema, nem metáfora, nem nada.
Quero saber sobre você. Quais são os seus segredos e as chaves que te trancam, mas que também te libertam? Somos todos um encadeamento de letras, mas não nos lemos. Diferentes idiomas emocionais.
Bauman fala sobre o “Amor Líquido”. Explico: as relações interpessoais tendem a ser efêmeras. Segundo esse autor, “as relações escorrem pelo vão dos dedos“. Assim, melhor sermos líquidos e fluidos, porém densos e coerentes com as formas que habitaremos.
Talvez assim possamos ter algum grau de independência.