Júlio Miragaya (*)
Vinte e duas vezes. Este foi o número de vezes que o presidente Lula citou o termo desigualdade em seu discurso no parlatório do Palácio do Planalto. Mais que citações sobre pobreza, miséria ou fome, outros termos por ele sempre destacado. E com toda propriedade, pois, como ele mesmo disse, “a fome é filha da desigualdade”.
Em seu primeiro pronunciamento do dia, no Congresso Nacional, Lula citou apenas duas vezes a palavra desigualdade, centrando o discurso na denúncia de desmonte das políticas públicas promovido por Bolsonaro; lembrando seu compromisso em 2003, como presidente oriundo da classe trabalhadora, de acabar com a fome; de fechar as portas para saciar a estupidez dos rentistas e de acionistas privados nas estatais e revogar a “estupidez chamada teto de gastos”.
Já em seu segundo discurso, para o povo reunido na Praça dos Três Poderes, falou em desigualdade em suas várias dimensões: de gênero, racial, no acesso à educação, à saúde, ao mercado de trabalho digno, à renda e à riqueza. Implícito estava em seu discurso superar a desigualdade no acesso à terra, à habitação decente, na escala espacial e outras dimensões,
Lula disse que “é inadmissível que os 5% mais ricos deste país detenham a mesma fatia de renda que os demais 95%” e que seis bilionários brasileiros tenham uma riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões mais pobres”. E colocou o dedo na ferida ao lembrar “as filas na porta dos açougues em busca de ossos e as filas de espera para compra de automóveis importados e jatinhos particulares”.
Sim, a fome é filha da desigualdade! E concluiu Lula: “Foi para combater a desigualdade e suas sequelas que nós vencemos a eleição. E esta será a grande marca de nosso governo”.
O Brasil está no “top five” dos países mais desiguais do planeta. A desigualdade refluiu no país entre 2003 e 2014, mas voltou a crescer a partir de 2015, com o agravamento da crise econômica no início do segundo governo Dilma.
A expansão desmedida da desoneração fiscal precipitou a recessão de 2015/16, gerando o fim do aumento real do salário-mínimo) e a queda da receita (advindo a redução da proteção social, como o congelamento do Bolsa Família e a redução do salário desemprego).
Em cascata vieram o aumento da inflação e do desemprego e a queda dos salários, levando ao fim do ciclo de desconcentração da renda e da riqueza. Mas a desigualdade explodiu mesmo após o golpe de maio de 2016, nos 2 anos e 8 meses de desgoverno Temer e nos 4 anos do desgoverno Bolsonaro.
Antevendo o que estava para acontecer no país, o Conselho Federal de Economia (Cofecon) e a Oxfam lançaram, em 2016, a “Campanha pela Redução da Desigualdade Social no Brasil” e instituíram o “Fórum Nacional pela Redução da Desigualdade Social”, aglutinando mais de 30 instituições.
E, entendendo que a extrema desigualdade na distribuição da renda e da riqueza, exemplificada por Lula, é a parteira de todas as demais, propôs como primeiro e principal eixo da campanha a implantação de um novo modelo tributário, assentado na progressividade (os mais ricos pagam mais), pois reforma tributária que apenas simplifique a estrutura, nada resolve.
Lembremos que somente as empresas com ações na Bolsa de SP distribuíram, em 2022, R$ 604,6 bilhões em dividendos para seus acionistas, que pagarão ZERO de imposto de renda sobre esses ganhos. Se fosse tributado em apenas 20%, o Estado arrecadaria R$ 121 bilhões. Em suma, ou se coloca o dedo na ferida ou ficaremos na mesma.
Desigualdade em escala espacial
A desigualdade entre núcleo e periferia é, na Região Metropolitana de Brasília”, de longe, a maior entre as 15 principais metrópoles brasileiras. Para reverter esse quadro, urge apresentar e aprovar uma PEC que minimamente compartilhe os R$ 23 bilhões do Fundo Constitucional do DF com o 1,3 milhão de cidadãos dos 12 municípios metropolitanos. Retorno aqui a proposta apresentada em artigo anterior: 10% do FCDF para uma região 100% carente”.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia