Vivemos tempos conturbados nos quais a insensatez impera. Entre os fatos recentes, mais chocantes do que as revelações do ex-procurador Rodrigo Janot, foram as reações desproporcionais à confissão sobre a cogitação de um desatino que, felizmente, não se concretizou. De uma hora para outra, saímos da nossa novela distópica diária e entramos na ficção de Minority Report, filme de Steven Spielberg, no qual o existe a figura do “pré-crime” e as pessoas são punidas por aquilo que poderiam vir a fazer.
No caso de Janot, ocorre a criminalização do que ele disse que poderia ter feito, mas foi dissuadido pela “mão invisível do bom senso” que “tocou meu ombro e disse: não”. São as palavras inscritas no livro Nada menos que tudo – Bastidores da operação que colocou o sistema político em xeque.
Em que pese a gravidade da conduta do então PGR quando dos fatos relatados, não houve concretização de delito. À luz do Direito não há condenação possível para a cogitação de um ato, mesmo grave como o pretendido pelo então procurador contra o Ministro Gilmar Mendes.
Não se justifica a celeuma criada. O que está se tentando impor é uma espécie de controle de mentes e pensamentos ao se pedir a cassação do registro profissional de Janot e a proibição da circulação de seu livro.
A livre expressão de ideias e pensamentos, os direitos e garantias individuais estão sendo colocados em xeque e isso, sim, é assunto de extrema gravidade – não a confissão de impulsos e pensamentos solitários que expressam indignidade e dor seja por parte de um procurador da República seja por um cidadão comum.
No escândalo armado desde a divulgação da entrevista de Janot, o tênue limite da justa indignação e do choque provocados por uma conduta imprópria que vem ao conhecimento público foi cruzado por muitas autoridades.
Vamos agora passar da imposição do “politicamente correto” como norma de conduta para a proibição do pensamento, da expressão de ideias ou confissões públicas? É uma perspectiva obscura.
Bem observou o jurista Aristides Junqueira em entrevista na qual comentou o assunto esta semana: “O poder pode inebriar quando você esquece que tem poder para prestar serviço”. A confissão desatinada de Janot parece estar mostrando que há pessoas que, se não estão inebriadas pelo poder, estão sem perspectiva da prestação de serviço para a qual foram imbuídos de poder.
Para conter exageros, o Congresso Nacional, em um lampejo de sensatez, aprovou e derrubou vetos à Lei de Abuso de Autoridade, ainda que o tenha feito em um momento histórico conturbado no qual a medida gera controvérsias. Mas o atual episódio envolvendo a confissão e o lançamento do livro do ex-procurador demonstra que limites são necessários. Também nos faz perguntar para onde foi o bom senso depois de dar aquele toque no ombro de Janot.
* Dr. Gutemberg Fialho – Médico e advogado, presidente da Federação Nacional dos Médicos e do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal.