Quando Lula, versando sobre a Venezuela, afirmou que o conceito de democracia é relativo, sofreu ataques de todo lado: da grande mídia, de políticos da direita, do centro e até daqueles da esquerda que vivem se curvando à burguesia. Mas o fato é que Lula está coberto de razão, pois democracia não é e nunca foi um valor absoluto.
Quando surgiu há 2.500 anos, em Atenas, na Grécia antiga, a democracia valia apenas para os homens atenienses com posses. Excluía mulheres, escravos, imigrantes e atenienses pobres, que correspondiam a mais de 80% da população da cidade-Estado.
Quando reapareceu em 1776, nos EUA, com os tais “pais fundadores” buscando se contrapor aos regimes monárquicos europeus, a democracia também não era para todos – excluía mulheres, escravos e pobres e analfabetos. Ainda hoje, a badalada democracia liberal norte-americana trata 40 milhões de negros e 40 milhões de latinos e asiáticos como cidadãos de segunda classe.
Que democracia é essa que coíbe a ação sindical, em que os capitalistas contratam destacamentos armados para reprimir grevistas, que gerou o Macarthismo e que mantém dois milhões de encarcerados, negros em sua extrema maioria? É o “faz de conta” do regime de “dois partidos únicos”, em que regras ardilosas limitam a escolha do povo norte-americano, desde 1856, a dois partidos de direita que representam os interesses de Wall Street e dos grandes trustes do complexo industrial-militar.
E o que dizer das democracias europeias – que até meados do século XX espoliavam os povos africanos e asiáticos colonizados – e que hoje tratam imigrantes dessas regiões como estorvos e preferem vê-los afundar em precários barcos no Mediterrâneo a acolhê-los?
As democracias liberais da América do Norte e da Europa são na verdade ditaduras veladas da burguesia, que deixam o véu de lado quando se vêm ameaçadas.
O conceito de democracia relativa foi bem definido por Marx em 1871, após o massacre da Comuna de Paris: “A burguesia francesa mostrou com particular nitidez a relatividade histórica da democracia burguesa. A mais democrática das repúblicas burguesas não poderia ser mais do que uma máquina destinada a oprimir a classe operária e a mantê-la à mercê de um punhado de capitalistas”.
Observação similar fez Lênin: “A essência da democracia burguesa reside num reconhecimento meramente formal dos direitos e liberdades, até se ver ameaçada”.
De fato, ao final da 1ª Guerra Mundial, as burguesias europeias se viram ameaçadas pela ascensão dos conselhos de operários e camponeses, no bojo da Revolução Russa, e não se furtaram em promover uma brutal repressão aos movimentos trabalhistas. Abandonaram as aparências e abraçaram o fascismo na Alemanha, Itália, Espanha, Polônia, Hungria, Romênia, Portugal e até na “civilizada” Finlândia, onde 14 mil operários foram fuzilados.
Democracia liberal e sistema capitalista são irmãos siameses. Para Lênin, “O sistema capitalista foi, desde o início, um sistema de rapina e de assassínios em massa. Os horrores da acumulação primitiva, a política colonial que, por meio da Bíblia, do álcool e da sífilis conduziu ao extermínio de povos inteiros, à miséria e à fome de milhões, eis aqui a imagem da democracia burguesa”.
Lenin também falou do caráter de classe da dita democracia burguesa, do parlamentarismo burguês, afirmando que “em nenhum país civilizado, em nenhum país capitalista existe democracia em geral”.
O que há, de fato, é todo um sistema (econômico/jurídico/policial/cultural/ideológico) estruturado para manter centenas de milhões de pessoas conformadas com suas precárias condições de vida.
Obviamente, não se defende que tanto faz uma democracia liberal ou um regime fascista/ditadura militar. Mesmo sob o opressivo domínio do capital, deve-se buscar garantir o direito à liberdade de expressão, manifestação e organização.
O que não se justifica é setores da esquerda abdicarem de lutar pela verdadeira democracia, que só se realiza numa sociedade sem exploradores e explorados e se resignarem com a falsa democracia imposta pela classe dominante.