Márcia Turcato
O glaciólogo Jefferson Cardia Simões, de 66 anos, regressou ao Brasil no dia 31 de janeiro de sua 29ª viagem aos polos. E garante que foi a última. Ele foi duas vezes ao Ártico e 27 à Antártica. Agora o professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) vai se dedicar às pesquisas em bancada. “Chega de passar os meses de Verão no gelo”.
Nesta última missão, a Internacional Circum-Navegação Costeira Antártica (ICCE), Simões foi o chefe da expedição e coordenou 57 cientistas de sete países (Argentina, Chile, China, Índia, Peru, Rússia e Brasil) a bordo do navio quebra-gelo Akademik Tryoshnikov, do Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica de São Petersburgo, na Rússia, que navegou 29,1 mil quilômetros nos 70 dias da missão.
Nos dois meses de navegação na Antártica o pesquisador confirmou tudo aquilo que as evidências científicas já indicavam: as geleiras estão derretendo, a água do mar está ficando cada vez mais ácida e quente, a fauna e a flora estão sofrendo alterações, assim como as correntes marítimas e as comunidades costeiras, que serão fortemente afetadas.
A Organização das Nações Unidas declarou 2025 como “Ano Internacional das Geleiras”. Quais foram os objetivos dessa missão em um ano de tanta relevância? – O objetivo número um da expedição foi obter informações sobre a movimentação do gelo nas bordas do continente antártico, porque este gelo pode ser dinamicamente instável. São milhares de toneladas que podem ter um deslocamento abrupto e provocar um aumento sem precedentes, de até sete metros, algo como um tsunami. O segundo objetivo foi averiguar o nível de salinidade do mar, porque ele está mais ácido.
A pesquisa já identificou que a água do oceano Austral está mais ácida devido à concentração de CO2. Isto porque o gelo que cobria a água do mar derreteu. Esse gelo funcionava como um isolante térmico. Sem essa proteção, a água do mar absorveu o CO2 que existe na atmosfera, a maior parte dele produto da interferência humana.
As geleiras polares perderam 30% de sua área e as geleiras não polares, como as da Cordilheira dos Andes, por exemplo, perderam 40% de sua área, expondo pedras, gerando energia, provocando inundações no início do fenômeno, e agora escassez hídrica para as comunidades que vivem na base da montanha.
Como foi o trabalho em equipe com tantas nacionalidades envolvidas? – Essa foi a primeira vez que cientistas brasileiros atuaram na Antártica Oriental. O envolvimento de tantos países com o mesmo objetivo é, para mim, um exemplo de “diplomacia da ciência”. Houve muita cooperação e entrosamento. Interessante notar que, dos sete países a bordo do navio, quatro eram aqueles que deram início ao BRICS, que é um esforço de cooperação econômica entre nações.
O trabalho de pesquisa se valeu de balões atmosféricos para realizar a coleta de dados que permitirão entender melhor a formação das frentes frias e dos ciclones extratropicais, além da coleta de materiais, que são os testemunhos de gelo, e de amostras de água do mar, de neve e do solo.
Atualmente existe mais consciência sobre as mudanças climáticas em curso? – A questão do meio ambiente é global e os polos estão inseridos na nossa vida, assim como a Amazônia e o Pantanal. Há uma interdependência. Mudanças climáticas sempre existirão. Mas é necessário reduzir o impacto sobre o clima imediatamente. Mesmo diminuindo o impacto que já provocamos, o nível do mar subirá, no mínimo, 30 cm até o ano 2100. No Brasil, de um modo geral, as pessoas pensam que a mudança climática está relacionada aos biomas verdes, como a floresta Amazônica ou a flora do Cerrado. Mas tudo está relacionado. Os fatores do meio ambiente são globais.
Há um visível derretimento do gelo no Ártico e uma disputa envolvendo várias nações. O que isso significa? – A navegação marítima é afetada com o degelo do mar no Ártico. Surgem novos portos, novas rotas comerciais, nova geopolítica e até a militarização em novas fronteiras. O Ártico aqueceu cerca de quatro graus e abriu uma nova passagem marítima. Em breve, o mar congelado deixará de existir nos meses do verão no Hemisfério Norte. E assim reduzirá o albedo, que é a proporção de energia do Sol refletida, a neve reflete 80% da energia. Então o sol vai aquecer diretamente a água do mar, modificando correntes marítimas, fauna e flora.
Na nova geopolítica, com a passagem marítima Nordeste, acima da Sibéria, o tempo das viagens comerciais de navio será reduzido em 10 dias, resultando em uma economia de 100 mil dólares, por embarcação, a cada viagem. Os navios não precisarão mais passar pelo Canal de Suez, no Oriente, ou pelo Cabo da Boa Esperança, na África, para dar a volta ao globo.
Saiba +
* Jefferson Cardia Simões faz parte de diversas entidades internacionais de ciências, como o Committee on Antartic Research (SCAR/ISC). Obteve o PhD pelo Scott Polar Research Institute, University of Cambridge, Inglaterra, em 1990.