Enquanto o restante do planeta se mantém em alerta contra a covid-19, buscando retomar a normalidade mas tomando todos os cuidados possíveis, o Brasil parece viver um cenário de pós-pandemia, com praticamente todas as atividades tendo retomado seu ritmo normal. O melhor exemplo do relaxamento ocorre no futebol. A cada dia aparece um clube com três, cinco ou dez jogadores contaminados, mas os dirigentes esportivos, com o apoio de alguns governantes, cogitam o retorno do público aos estádios, ocupando 30% da capacidade. Imaginem Maracanã, Morumbi ou Mineirão com 20 mil torcedores!
Há razão para tal relaxamento? Segundo dados do Ministério da Saúde, entre a 22ª semana epidemiológica (final de maio) e a 34ª (final de agosto), o país registrou cerca de 7 mil mortos semanais, o que o levou à condição de 2º país com mais mortes pela covid-19 no mundo. Desde então, ocorreu uma leve retração, para cerca de 6 mil mortes nas duas semanas subsequentes, e para cerca de 5 mil nas últimas três. Mas continua sendo o 2º país em que mais pessoas morrem do vírus, agora abaixo da Índia, mas superando os EUA.
Os negacionistas dirão que o número de mortos (143 mil) é alto porque nossa população é uma das maiores do mundo. Puro embuste. Se considerarmos os números relativos (mortos por milhão de habitantes), veremos que o Brasil superou os EUA e os principais países europeus e já é o 3º pior, com quase 700 mortos/milhão, superado apenas pelo Peru (980 mortos/milhão) e Bélgica (860 mortos/milhão).
Aqui no DF, os quase 200 mil contaminados nos dão a taxa de 65 mil infectados/milhão de habitantes, maior que em qualquer país, assim como os cerca de 3.300 mil mortos nos dão a triste marca de 1.080 mortos/milhão (a maior do Brasil, superando Roraima e Rio de Janeiro), e a maior do mundo, ultrapassando a taxa peruana.
Neste cenário de terra arrasada, Bolsonaro, o principal responsável pelas quase 150 mil vidas perdidas e pela quebra da economia, levando ao fechamento de dezenas de milhares de pequenas empresas, à perda de milhões de empregos e à fome de milhões de famílias, mente descaradamente na ONU dizendo que está tudo bem.
A frase “O Brasil não é um país sério” parece ter sido erroneamente atribuída ao ex-presidente francês Charles de Gaulle. Mas não seria nenhum despropósito se ele a tivesse proferido.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia