Oito dias após ser palco de uma das mais belas festas de posse presidencial da história, a Praça dos Três Poderes tornou-se cenário de guerra – um ataque em que o principal alvo era a democracia brasileira. No dia 1º de janeiro, 40 mil pessoas presenciaram e se emocionaram, naquela mesma praça, com Lula subindo a rampa do Palácio do Planalto, enquanto outras 300 mil comemoravam na Esplanada dos Ministérios.
Mas, no domingo seguinte (8), uma horda de terroristas invadiu as sedes do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e o próprio Palácio do Planalto para tentar provocar um golpe de Estado e derrubar o governo legitimamente eleito. Um movimento fartamente anunciado via redes sociais e preparado ao longo de 60 dias num acampamento de golpistas em frente ao Quartel General do Exército, no Setor Militar Urbano (SMU).
Financiadores – Perderam. Cerca de 1.500 terroristas acabaram presos e vão responder por crimes alusivos a atentado ao Estado Democrático de Direito. Cada um terá sua pena determinada à luz das investigações e das provas que forem recolhidas a partir de imagens e vestígios produzidos por eles próprios na cena do crime. Responderão, entre outros, por depredação do patrimônio público – muitas peças de valor histórico inestimável foram danificadas ou destruídas. A ordem do STF é que se identifiquem os financiadores do vandalismo – muitos deles não estavam em Brasília.
Tiro pela culatra – A prova mais cabal de que o tiro dos bolsonaristas radicais saiu pela culatra foi a união de todos os Poderes em defesa da democracia brasileira. No início da noite do 8 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decretou intervenção federal na Segurança Pública do DF. Horas depois, o ministro do STF Alexandre de Moraes afastou o governador reeleito Ibaneis Rocha (MDB), que havia sido empossado há uma semana.
A intervenção foi referendada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado e o afastamento de Ibaneis aprovado pelo plenário virtual do STF. A situação política de Ibaneis ficou ainda mais ameaçada na segunda-feira (9), quando a Câmara Legislativa aprovou a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Legislativa para investigar os atos terroristas.
Coniventes – Ibaneis e seu secretário de Segurança Anderson Torres foram considerados, no mínimo, coniventes com os atos antidemocráticos. Bolsonarista declarado, Torres teve sua volta à SSP-DF bancada pelo governador, contrariando a nova ordem instalada no País. O ministro da Justiça, Flávio Dino, havia deixado claro sua rejeição ao nome de seu antecessor na Pasta, aliado de primeira hora do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Coube a Dino, aliás, a indicação do interventor na Segurança Pública do DF, Ricardo Cappelli. Homem de confiança do ministro desde sua gestão no governo do Maranhão, Cappelli não aliviou para o delegado Anderson Torres. Em todas as ocasiões em que pôde se manifestar, questionou os atos do ex-secretário e, principalmente, sua omissão e inércia.
A situação de Anderson Torres se agravou na terça-feira (10), quando a Polícia Federal pediu sua prisão e a do ex-comandante da PM, coronel Fábio Augusto, o que foi acatado por Alexandre de Moraes. Curtindo férias em Orlando, na Flórida (EUA) – coincidentemente o mesmo local escolhido por Bolsonaro quando saiu do País no dia 30 de dezembro para não passar a faixa para Lula –, seu desembarque é aguardado no aeroporto Juscelino Kubstchek, de onde seria levado diretamente para a carceragem da Polícia Federal.
Interventor mão de ferro
Ricardo Cappelli passou a cumprir seu papel de interventor com mão de ferro. Trocou o comando das corporações – PM, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros – e exonerou vários assessores nomeados por Anderson Torres no início do ano, antes de se ausentar para sua agora suspeita viagem de férias.
O interventor levanta dúvidas sobre a “coincidência” da viagem de Torres às vésperas dos atos antidemocráticos. Também questiona a inação do GDF no desmonte do acampamento de golpistas no SMU. Foi dali que os terroristas saíram em passeada na manhã do dia 8 em direção ao centro de Brasília escoltados e apoiados pela PM.
A mesma PM que não estava preparada para evitar que eles avançassem pela Esplanada, ao Congresso Nacional, onde iniciaram o mais grave ataque à democracia brasileira desde a redemocratização do País após os 20 anos da ditadura militar de 1964.