Cristrovam Buarque (PPS) vai em busca de seu terceiro mandato de senador. Aos 74 anos, ele diz, nesta entrevista ao Brasília Capital, ter muita energia para cumprir mais oito anos no Senado Federal. Rebate o adversário Marcelo Neves, do PT, que o chamou de traidor do povo: “Judas é quem prometeu fazer um governo honesto e se corrompeu”. Confessa que errou ao apoiar a eleição de Rodrigo Rollemberg (PSB), mas admite que dificilmente estará na oposição caso seu candidato, Rogério Rosso (PSD) não passe para o segundo turno. Para ele, Jair Bolsonaro (PSL) é a catástrofe e Ciro Gomes (PDT) o desastre. Por isso, pode dar um “voto útil” a Geraldo Alckmin, do PSDB. Mas não se sente nesta obrigação, porque os tucanos decidiram não apoiá-lo no DF. “Aqui, os tucanos estão apoiado o demônio”, diz, em referência à frase do ex-candidato Jofran Frejat (PR), que sai da disputa.
Jofran Frejat liderava as pesquisas e desistiu da candidatura ao GDF alegando que tinha muitos diabos em torno dele. Rogério Rosso, apoiado pelo senhor, seria um deles? – O Rosso nunca esteve do lado do Frejat.
Mas tem origens no rorizismo e integrou o governo Arruda… – Há muito tempo, quase todos foram. Mas quando o Frejat falou em demônio estava se referindo ao grupo que estava ao redor dele. Não existia Rosso. Faz um ano que estamos construindo esse lado, com Izalci, Joe Valle, Vanderlei Tavares e eu.
Como foram as suas conversas com Frejat? – O Joe levou o Frejat uma vez à minha casa e outra vez me encontrei com ele na casa de alguém. Eu sempre dizia que se ele viesse para o lado de cá poderia até ser nosso candidato. Mas ele nunca manifestou interesse.
Em caso de segundo turno do Rollemberg contra um candidato da oposição que não seja o Rosso, quem o senhor apoiará? – Não vou dizer com quem eu vou no segundo turno, mas não estarei provavelmente com essas pessoas da oposição. Que o Rosso deseje isso isso, é outra história. Estou com ele firme até o primeiro turno e minha impressão é de que o Rosso tem mais chance de chegar ao segundo turno do que os outros.
Os nove meses de governo Rosso o credenciam a tentar voltar ao Buriti? – Ele governou no momento em que o DF estava sendo ameaçado de sofrer intervenção, com ex-governadores sendo presos. Eu diria que nem houve de fato um governo. Foi uma transição muito curta. Não se deve colocar sobre ele qualquer culpa.
Vocês eram de campos opostos. Como se deu essa aproximação com o Rosso? – A primeira vez que ouvi falar em Rogério Rosso foi com muitos elogios feitos pelo Chico Vigilante, quando o Rosso era administrador da Ceilândia.
Rollemberg fala em austeridade, que pegou o governo falido. Agora o Rosso promete pagar a paridade da Polícia Civil com a Federal e os reajustes de 32 categorias já no primeiro mês. É demagogia ou existe caixa para isso? – Ele me diz que sim. Eu não me debrucei sobre os números. Quando o vi falando sobre isso a primeira vez, perguntei se seria possível. Ele disse que tinha absoluta certeza. E que se ele tivesse esperado mais de uma semana para dizer isso, o Rollembergue iria dizer. Agora o Rollemberg perdeu a oportunidade.
Como está a reação do povo ao seu nome? Qual o reflexo da postura do PT de chamá-lo de traidor? – Eu desci do carro há pouco e você viu como a população me recebe. Ninguém sabia que eu viria e a todo tempo as pessoas vinham me comprimentar (de fato, o repórter presenciou isto no centro de Taguatinga). A única coisa que reclamam é que não sou candidato a governador. Fora isso, não vejo cobrança na rua.
Nem de antigos aliados? – Grupos da esquerda tradicional não aceitam o meu pensamendo de modernização da esquerda, a necesssidade de mudar a CLT. E não aceitam porque a esquerda ficou corporativista e não defende quem está desempregado, e sim quem está empregado. A luta de classes ficou triangular. Não é mais capitalista e trabalhador. É capitalista, trabalhador moderno e desempregados (excluídos, pobres). E a esquerda fez a opção pelo trabalhador moderno, pelos que já estão empregados, dos que têm estabilidade, e não dos desempregados. Por isso que bate em mim.
Os acadêmicos também? – Apenas os de esquerda. Os demais me apoiam.
Como está sua aceitação na UnB? – Se você considerar a parte da esquerda antiga da UnB não deve estar boa. Eu não tenho ido lá.
Pretende ir lá durante a campanha? – Com certeza. Irei em todas as universidades. Não vejo problema.
O senhor ainda se considera de esquerda? – Claro! Não é de esquerda quem fica preso a ideias velhas. O pior problema da esqueda brasileira é que ela fica algemada ás ideias do passado. Ela não entendeu ainda o processo de globalização. Não podemos ter um projeto nacional independente, separado do resto do mundo. Não podemos ter um projeto só para dentro. Ela não entendeu que a gente caminha para não ter mais trabalhador nem empregado por conta da robótica, da inteligência artificial, do trabalho a distância. Eu vejo até a Marina da Silva dizer que a reforma trabahista sacrifica os trabalhadores porque tirou as duas horas do almoço. O que a reforma fez foi dizer: todo mundo tem duas horas de almoço mas se quiser tira só usa uma. A outra deixa para usar de tarde. Na época da CLT o trabalhador saia para almoçar em casa. Não tinha vale alimentação, restaurante perto, trânsito. As cidades eram pequenas. Eles não entenderam a densidade da globalização, que o trabalho é diferente com a robótica, com as megalópoles e os limites ao crescimento que vêm da crise ecológica. A esquerda ficou velha. Então passaram a me chamar de nova direita. É mais esquerda a nova direita do que a velha esquerda. Então eu me considero de esquerda. Porém, uma esquerda moderna.
Está confortável com essas novas companhias, por exemplo, grupos evangélicos que defendem ideias ultraconservadoras? – Ai é uma coisa que a esquerda ficou avançada. Aí eu me sinto com eles. Mas nenhum evangélico me perguntou qual a minha religião.
Qual a sua religião? – Fui formado na igreja católica. Mas depende do que você entende como católico. Se é ir à missa todo domingo, eu não sou.
A visão neopentecostal dos evangélicos está defasada em relação a Lutero… – Muitos evangélicos de hoje não seguem Lutero. Mas, independentemente de divergências, eu respeito todas as religiões.
Bolsonaro fala que pra ele uma família formada por um casal homossexual não é família. E o senhor, o que diria? – Eu votei a favor da união entre pessoas do mesmo sexo, mas eu respeito também quem pensa diferente do ponto de vista religioso. Sempre digo: a Igreja não diz o que é crime, e o Estado não diz o que é pecado. O Estado não deve entrar no mérito do pecado e nem Igreja definir o que é crime.
O senhor é favorável ao aborto? – O aborto tem uma problemática, pois, dependendo do momento em que se entende o começo da vida pode ser tanto pecado como crime. O aborto depende de quando começa a vida, antes de ser vida seria só pecado. Para a Igreja, por exemplo, é pecado até o uso de camisinha. Só agora o Vaticano está começando, depois de dois mil anos, a cogitar a possibilidade de permitir. Porém, ainda é pecado, pois interrompe uma vida potencial.
Há quatro anos o senhor ajudou a eleger Rollemberg. Qual a sua avaliação do governo dele? – Muito negativa do ponto de vista da construção de uma nova Brasília. Considerava muito positiva do ponto de vista da ética, mas com as últimas notícias que têm surgido de problemas com a Polícia no tocante a tráfico de influências eu começo a ter dúvidas sobre isso.
O senhor chegou a conversar com ele sobre isso? – O Rodrigo não é muito de conversar. E agora também nem tenho porque conversar com ele. Mas acho que o ajudei a se eleger. Reconheço esse defeito. Creio que ele pegou um Estado muito quebrado, com muitas dificuldades, mas dava pra ter feito mais coisas mesmo sem recursos. Criatividade é um recurso.
O Instituto Hospital de Base é uma solução criativa para a Saúde? – Não sei. Esse Instituto eu não repudio nem aplaudo, mas acho que merece ser estudado. O futuro será de cooperação público-privada, não tenho dúvida. E não só em hospitais, e sim em todos os setores. Mais uma das obsolescências do pensamento de esquerda é achar que estatal e público são o mesmo. Um hospital pode ser do Estado e não ser público, como pode não ser do Estado e ser público. Pra mim, um hospital público é um hospital que preenche três condições: ninguém fica na fila para ser atendido; as pessoas não saem doentes; e não custa dinheiro ou custa muito pouco. Pode ser uma parceria público-privada. É público, não é estatal. A esquerda tradicional ainda não entendeu que público não é sinônimo de estatal.
O senhor se notabilizou pela defesa da educação. A educação pública de Brasília nos ensinos básico e médio ainda tem muita carência. Mas o seu candidato está prometendo fazer a universidade pública do DF; É o momento? Há dinheiro para isso? – Se há dinheiro eu confesso que ainda não me debrucei. Ele vai ter que mostrar isso. Se é para tirar da educação de base está errado. Mas eu acho que Brasília suporta uma universidade pública, havendo recurso para isso. Mas nosso primeiro compromisso deve ser com a base.
O que o senhor diria para o candidato ao Senado do PT, Marcelo Neves, que, em entrevista ao Brasília Capital, o chamou de Judas? – Judas é quem prometeu fazer um governo honesto e se corrompeu. Eu não me corrompi. Traidor é quem prometeu botar todas as crianças na escola e não o fez.
Mas o PT contabiliza ter tirado milhões de pessoas da linha da miséria… – Não tirou da miséria; deu uma ajuda e provisoriamente deu o que comer. Para tirar da miséria é necessário mexer na estrutura. E não há outro jeito a não ser com a educação. E isso não foi dado.
Foi isso o que o fez sair do PT? – Eu não sai do PT. Foi o PT que saiu de mim. Eu sou um político hoje igual ao que era quando o PT me elegeu. Tenho as mesmas propostas, o mesmo comportamento e as mesmas bandeiras de luta. O que eu traí? Uma sigla que traiu o Brasil? Se fosse assim valeria a frase “ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão”. Ou melhor, “quem trai traidor tem 100 anos de perdão”.
Por que o senhor acha que Brasília deve lhe conceder o terceiro mandato no Senado e o que pretende fazer nesses oito anos? – Primeiro, eu não sei se a cidade vai me dar os oito anos. Segundo, eu pensei seriamente em não ser candidato. Daí, abro o jornal e vejo 13 milhões de desempregados, 10 milhões de analfabetos, 70 milhões de analfabetos funcionais, uma economia que não cresce, 63 mil mortos por ano, um país sem partidos, sem líderes. O próximo presidente da República, qualquer que seja o eleito, será um desastre nos primeiros anos de governo. Eu teria o direito de me omitir e dizer para a população do DF que já cumpri minha missão? Decidi jogar isso para o povo. Estou ai. Ainda tenho (e muita) energia. Se acharem que tenho o direito de ir pra casa, tudo bem. Se não, estou pronto para mais oito anos. Fazer o que nesses oito anos? Primeiro, tentar ajudar o Brasil a recuperar duas coisas: coesão e rumo. O Brasil é um país sem coesão. Cada grupo pensa que o país é dele – sindicatos, juízes, etc. Os ministros do Supremo querendo aumentar o próprio salário. Se eu pensasse em sair, eu ia querer voltar ao Senado só para votar contra esse aumento. Nós não sabemos onde vai estar o Brasil daqui a vinte anos. A China sabe, a Coreia sabe, a Europa sabe. Então eu me senti sem o direito de ficar omisso com a experiência e a energia que eu tenho. A população é que vai dizer se eu devo ou não continuar como senador.
O que falaria para a parcela da população na terceira idade e aposentada? – Primeira coisa é que não pensem em vocês sozinhos. Vocês são octogenários ou nonagenários em um país chamado Brasil, e se as crianças não tiverem boa educação, os adolescentes não forem bem formados e não tiver boas universidades, os anos que vocês ainda tiverem até completar os cem não serão bons. Não pensem só em vocês, velhinhos! Todos precisamos trabalhar para que os idosos tenham condições dignas de vida.
É possível viver com dignidade com a aposentadoria do INSS? – Depende! Uma parte, não. Mas outra parte é privilegiada, e eu me considero parte deste grupo. Tenho aposentadoria como professor e ex-reitor que me permite abrir mão do salário do Senado. Existem pessoas com aposentadorias boas neste país. Eu me aposentei aos setenta, mas tem gente se aposentando aos 45, 50, 60 anos. Não pode! Aposentadoria depende de duas coisas: de quantas pessoas mais novas ainda existem e de quantos anos você ainda tem de vida. A Previdência deve ser sustentável. Aí vem uma preocupação minha: como no Brasil ninguém quer abrir mão de nada, só terá um jeito daqui a alguns anos, e eu iriei lutar para que esse não seja o caminho: o Brasil voltar a ter inflação, que é uma maneira de enganar todo muno. Por exemplo: tem uma crise, você diz que tem que reduzir o salário de 100 para 80. Ninguém quer. Com a inflação você continua pagando cem, mas valendo oitenta. A inflação é uma corrupção, um roubo que as pessoas não percebem. A estabilidade monetária é fundamental.
Nacionalmente, o seu partido é aliado do PSDB. O senhor vota no Alckmin? – Não me vejo votando no Alckmin. Só se fosse o voto útil.
Contra quem? – Temo que tenhamos de escolher entre catástrofe e desastre.
Quem é catástrofe? – O Bolsonaro.
E desastre? – O Ciro.
Então, em quem votar no primeiro turno? – Posso até votar no Alckmin, mas não é um candidato que me empolga. Até porque o PSDB não está me apoiando. Por isso não tenho nenhum compromisso de apoiar o Alckmin.
Os tucanos ficaram com os demônios? – Ficaram. Apesar de o Alckmin ser da Opus Dei, aqui no DF o PSDB está apoiando o demônio.