Ricardo Nogueira Viana (*)
Novembro, mês da consciência negra, momento voltado aos afrodescendentes com o intuito de evidenciar ao Brasil e ao mundo as desigualdades ainda latentes em nossa sociedade. O Ano de 2021 chega ao fim e começam as expectativas para o período que advirá: covid 19, Copa do Mundo, ano eleitoral e, também, revisão da lei 12.711/12, a qual prevê a reserva de 50% das vagas das universidades e institutos federais de ensino superior a estudantes de escolas públicas, estipulando critérios para destinar oportunidades a alunos de baixa renda, pretos, pardos, indígenas e com deficiência.
É a chamada Lei das Cotas. Após dez anos de vigência, há quem entenda como um privilégio mantido aos grupos citados. Inclusive, os incautos bradam pela revogação do ato normativo e o caracterizam como “mimimi”. Em contrapartida, a faculdade Zumbi dos Palmares, com o amparo da Sociedade Civil, criou o movimento Cotas Sim, em busca de consolidar apoio à manutenção da lei.
O artigo 7º da lei federal prevê a revisão do programa após dez anos de sua vigência. Sim, revisão, debate e aperfeiçoamento. Apesar de parecer um benefício, na verdade se trata de uma correção. Ou melhor, uma reparação que o Estado faz, principalmente aos afrodescentes, os quais durante séculos foram subjugados e discriminados por uma elite dominante que até hoje ocupa os espaços de poder.
Escravizados
Nossos antepassados não foram escravos, mas escravizados. Tinham suas profissões no continente africano e tornaram-se reféns, objetos de uma casta eurocristã que se dizia superior. Já imaginaram um navio negreiro? Pessoas amarradas e aglutinadas em um porão implorando por alimentos e água? Certamente, a frota era seguida de perto por tubarões sedentos pelos muitos que não resistiam à masmorra.
Até hoje, 133 anos pós-liberdade, os negros ainda rogam por direitos básicos, como educação, saúde, saneamento básico, segurança e trabalho. Para quem era um objeto diante dos senhores de engenho, foram arremessados na rua sem o mínimo de condições de sobrevivência: proibidos de estudar, sem casa para morar, tampouco terra para plantar ou trabalhar.
E assim seguiu o diagnóstico do Brasil: o negro em favelas, guetos, protagonizando a criminalidade e morrendo de forma hemorrágica. Vivemos um racismo estrutural, o qual está enraizado nos costumes, nas leis, nas instituições, nos poderes e na sociedade, para que se mantenha o “status quo”. Por conseguinte, nossa disposição social é feita para ser perpetuada.
Segundo relatório do PNUD (Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em 2020, antes da pandemia o Brasil era o país com a oitava pior distribuição de renda do mundo, ficando atrás somente de alguns países africanos. O rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre.
Educação
É como jogar bola descalço, estudar no escuro ou nadar com as mãos amarradas. Pode até ser que se tenha êxito, mas o caminho é muito mais árduo e turbulento. Assim se perfaz a nossa história, sendo que há expoentes ímpares que driblaram as adversidades, matam os seus leões diariamente e alcançam seus objetivos. Somente através de uma educação de qualidade poderemos equacionar as oportunidades.
Este mês nos remonta a Zumbi, símbolo de resistência, da ressignificação, do combate à discriminação e desigualdade social. O movimento Cotas Sim tem como fito apoiar os projetos em tramite no Congresso Nacional pela renovação dos prazos da Lei 12.711/12 e também a prorrogação da lei que destina 20% de vagas para negros em concursos públicos e cargos administrativos, a qual tem seu prazo revisional marcado para 2024.
Não se trata de “coitadismo”, termo utilizado por representantes do poder público que deviam assimilar, perceber e avaliar o mal que foi feito aos afrodescentes desde uma escravidão facínora, covarde, mercantil, a uma liberdade espúria. O que precisamos é de reconhecimento.
A elite brasileira tem uma dívida para conosco, e passou a reconhecê-la timidamente, por meio das cotas em universidades e serviços públicos. Contudo, deve ampliá-las com moradias, assistência à saúde e também ao amparo à educação infantil e média. Pouco adianta abrir acesso às universidades, se negros e pardos tiveram péssimas referências educacionais em momentos anteriores.
Para quem caracteriza os anseios da negritude como “mimimi”, entenda que a reposição de nossa dignidade não se encontra apenas nessa nota musical, mas que nos devolvam também o dó, o ré, e todas as demais claves que nos foram subtraídas quando nos açoitavam e se deliciavam com o nosso sangue. Cotas Sim.
(*) Delegado-Chefe da 6ª DP, Professor de Educação Física
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasília Capital