Nas duas pontas do Eixo Monumental, articulações políticas com aparência de terem sido movidas por interesses escusos poderão trazer danos irreparáveis ao meio-ambiente do Distrito Federal. Na ponta oeste, a Câmara Legislativa aprovou, terça-feira (11), numa sessão noturna, a Lei de Uso e Ocupação do Solo(LUOS), alterando destinações de imóveis e os limites de construção em muitos deles. Foi a vitória do concreto sobre o verde.
Na outra ponta, uma Comissão Especial reunindo senadores e deputados federais aprovou, de uma só tacada, a redução de duas importantes Unidades Federais de Conservação no DF: a Floresta Nacional (Flona)e o Parque Nacional de Brasília (PNB), que abriga a Água Mineral. As medidas foram inseridas no parecer do senador Dário Berger (MDB-SC) à MP 853, que tratava especificamente de imóveis do INSS.
Como dizem no jargão parlamentar, colocaram um jabuti no telhado. O GDF nega ter solicitado qualquer uma das medidas, e tudo indica que elas foram incluídas para regularizar a situação de grileiros que ocupam as duas áreas. Pela decisão – que precisa ser ratificada pelos plenários da Câmara e do Senado –, a Flona perde 4.067 hectares.
Contaminação
Duas das quatro glebas (as de número 2 e 3), deixarão de fazer parte da Flona, cuja área será reduzida em 43,5%, passando de 9.346 hectares para 5.279 ha. A gleba 2, na Estrutural e a 3 nas regiões administrativas de Taguatinga e Brazlândia, vem sendo ocupadas irregularmente, O maior núcleo habitacional é o 26 de Setembro. Foi lá onde o governador eleito Ibaneis Rocha(MDB) prometeu construir com recursos próprios as casas derrubadas pela Agefis.
A Flona é importante na proteção tanto para os cursos d’água que desaguam na barragem do Descoberto, quanto na de Santa Maria.Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMbio,essas ocupações não possuem saneamento básico e a coleta de lixo praticamente não existe, o que é uma ameaça de contaminação dos mananciais no local.
Extinção
Por lei, a Flona foi criada com a missão de promover o manejo de forma sustentável dos recursos naturais renováveis, e a manutenção e proteção dos recursos hídricos e da biodiversidade do Cerrado. O volume d’água dos mananciais por ela preservados representa o consumo de 65% da população do DF, segundo o ICMBio.
Ali estão espécies da flora e da fauna ameaçadas de extinção, como o palmito-juçara, o pássaro papa-moscas-do-campo e o tatu-canastra. Trechos da unidade de conservação abrigam trilhas para caminhada e circuitos de mountain bike abertos ao público.
Parque Nacional
Criado em 1961, o Parque Nacional de Brasília abriga a Água Mineral, cuja gestão esteve a ponto de ser privatizada por decisão do ministro do Meio-Ambiente, Sarney Filho, futuro secretário do Meio-Ambiente do DF. O PNB deve perder uma área denominada Núcleo Rural Boa Esperança II – NRBEII.
No interior do Parque está a barragem de Santa Maria, segundo maior reservatório de Brasília, que atende moradores do Plano Piloto, Lago Norte e Varjão. O PNB nasceu com 30 mil hectares e foi ampliado para 42,3 mil há, em 2006, pela lei 11.285/06 aprovada pelo Congresso Nacional.
Em 2010, o então deputado federal Geraldo Magela(PT-DF) apresentou projeto buscando reduzir em 53ha – cerca de 50 campos de futebol – as dimensões do Parque. A reação popular foi grande e o projeto não andou. Agora, em uma medida provisória que tratava especificamente de imóveis de propriedade do INSS, o relator senador Dário Berger (MDB-SC) incluiu artigos que reduzem as duas Unidades de Conservação, bem como do Parque de São Joaquim,em Santa Catarina.
GDF não pediu
No texto em exame no Congresso é dito que a alteração no perímetro do Parque proporcionará uma economia de R$ 25 milhões nas obras de acesso ao bairro Taquari, através de uma ligação Torto-Colorado, e regularizar a situação do Núcleo Rural Boa Esperança, no interior do PNB, nas proximidades do Lago Oeste.
Na secretaria de Comunicação do GDF, a informação é que o governador Rodrigo Rollemberg nada solicitou nesse sentido. No Departamento de Estradas e Rodagens, que constrói a ligação Torto-Colorado, o informe é que o acesso ao Taquari está sendo concluído, sem afetar a área do Parque. Cerca de 300 famílias moram no Boa Esperança, que hoje se assemelha mais a um condomínio urbano de classe média do que a instalações de produtores rurais. Tudo indica que foi o lobby dessa comunidade que moveu as alterações.
Negociações que já estavam sendo realizadas entre o GDF e o ICMBio conduziam para uma permuta de terras pela qual o Parque seria ampliado na parte Sul e liberaria a parte alvo da MP. Ao aprovar a MP, o Congresso atravessou uma negociação e não garante mais a reposição da área a ser perdida.
A mesma situação é a da Flona. O grupo de trabalho GDF/ICMbio negociava a desafetação da gleba 2 e de parte da 3, porém com ressalvas ambientais para a preservação de nascentes e córregos, como a área do Bananal, que a partir da crise hídrica de 2017 passou a ser um dos mananciais fornecedores de água para os moradores do DF.
O ICMBio soltou nota técnica afirmando ser inconstitucional a mudança de áreas de Unidade de Conservação por meio de MP,bem como a introdução de temas alheios ao objetivo da proposta: o famoso jabuti, e que a proposta deveria ter sido debatida com o Instituto e com a população.
Izalci – Único parlamentar do DF na comissão, o deputado Izalci Lucas (PSDB/foto) votou a favor da redução das duas unidades. Afirmou que, embora reconheça que o método utilizado não é o convencional, alguma coisa precisaria ser feita para regularizar a situação dos moradores que ocupam áreas na Flona e no PNB. No GDF não há sinais de movimentações para derrubar as emendas de redução das duas unidades de Conservação. Apenas o ICMBio e ambientalistas estão se movimentando para evitar esse prejuízo o DF.