A pandemia da covid-19 mudou bruscamente a dinâmica das relações sociais. Contratos dos mais diversos tipos estão na iminência de serem inadimplidos e, por consequência, aumenta-se a possibilidade de ajuizamento de ações judiciais para discutir as condições ajustadas e a ocorrência de fato superveniente impeditivo do seu cumprimento.
O senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) preparou um projeto de lei com disposições aplicáveis às relações privadas, com algumas consequências na área pública. Propõe retirar a inflação e a variação cambial das hipóteses que autorizariam a revisão de contratos por onerosidade excessiva. Na outra ponta, a solução individual de cada conflito pelo Judiciário por meio de uma sentença dependerá de inúmeros requisitos e procedimentos que demandam consideráveis tempo e custos dos envolvidos.
O último relatório Justiça em Números, de 2019, apurou que, em situação de normalidade, o tempo médio para prolação de sentença em casos da Justiça Comum Estadual em primeiro grau é de 2 anos e 4 meses. No segundo grau é de 8 meses e na fase de cumprimento de sentença 6 anos e 1 mês. Se for necessário percorrer todas as fases, a resolução definitiva se dará em 9 anos e 1 mês, tempo em que provavelmente a tutela jurisdicional já não faz mais sentido e a eventual atividade econômica desenvolvida definhou.
Assim, se um empresário decidir discutir os termos do contrato de fornecimento, provavelmente não conseguirá sustentar sua atividade sequer enquanto aguarda a sentença de primeiro grau, e ainda terá que enfrentar despesas não contabilizadas com custas e honorários advocatícios.
Mas, maior do que estes custos operacionais de manter uma demanda judicial em andamento é o custo emocional da incerteza e da espera. A pergunta é: Como agir diante de um conflito em um cenário de crise? Como bem salientou o ministro Luiz Fux, do STF, em entrevista no dia 30 de março, o momento é favorável à utilização dos instrumentos da mediação e da conciliação, que possibilitam, em um curto espaço de tempo, a construção dialogada de soluções personalizadas à realidade das partes.
Não é de hoje que o sistema judicial apresenta sinais de colapso. A morosidade, o custo excessivo e a dificuldade de acesso por alguns nichos da sociedade são evidentes e já demandaram ações estratégicas, como é o caso da Política Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos implementada pela Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça e reforçada pelo Novo Código de Processo Civil, que tem como um de seus pilares fundamentais a autocomposição.
Nesse sentido, o artigo 334 do diploma processual prevê a obrigatoriedade de realização de tentativa de conciliação na fase inicial de todas as ações cíveis. No mesmo sentido, o artigo 695 regulamenta as ações de família. A implantação da política pública permitiu que existam Núcleos Permanentes de Mediação e Conciliação vinculados a todos os tribunais do país, responsáveis, dentre outras coisas, pela coordenação e supervisão dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e de Cidadania (CEJUSCs), que realizam audiências de conciliação e mediação de forma técnica com o auxílio de profissionais capacitados.
No Distrito Federal, por exemplo, todas as circunscrições judiciárias contam com CEJUSCs funcionando, de modo a permitir o acesso das comunidades locais ao serviço, de forma simples e facilitada. Nos CEJUSCs, além da conciliação e mediação judiciais, ou seja, aquelas realizadas no curso do processo, é possível buscar a solução pré-processual do conflito pelo diálogo.
Assim, antes mesmo do ajuizamento da ação judicial, possibilita-se às pessoas envolvidas a oportunidade de, com o auxílio de um profissional capacitado, dialogar, identificar interesses convergentes e, dessa forma, protagonizar a construção da solução da forma que melhor se adeque à sua realidade. A premissa deste diálogo facilitado por um terceiro é que nele são consideradas as peculiaridades que permeiam cada relação jurídica e os seus envolvidos.
Ao contrário, em uma decisão judicial, por vezes massificada, casos aparentemente similares têm a mesma solução sem considerar as nuances que transformam a vida dos envolvidos. Hipoteticamente, por exemplo, o inadimplemento de mensalidades escolares poderia decorrer da quebra das expectativas legítimas, no contexto da crise, de modo a justificar uma calibração se os devedores forem profissionais liberais ou empresários que tiveram a fonte de renda comprometida.
Entretanto, os devedores que têm fonte de renda estável não podem utilizar o mesmo argumento para se esquivar ou postergar o pagamento. Essas diferenças se evidenciam quando os envolvidos as colocam em um ambiente apropriado para o diálogo e a solução pacífica dos conflitos.
Ao Poder Judiciário remanesce o desafio de propiciar à sociedade uma forma rápida e eficiente de solucionar conflitos, especialmente através do consenso. A vida real não espera a consolidação da jurisprudência. A mudança da postura litigiosa e conflituosa deve partir dos representantes institucionais como um exemplo a ser seguido por todos.
(*) Juíza assistente da Segunda Vice-Presidência do TJDFT.
(**) Professor de Direito Constitucional e Tributário do IBMEC/DF.