Oposição critica barganhas do governo contra o impeachment, mas faz acordos pensando no pós-Dilma
Garrincha era um sujeito troncho e desengonçado. Tinha as pernas tortas e a cabeça fraca. Pouco estudado, mas iluminado. Tornou-se o maior ponta-direita da história do futebol mundial. Uma lenda. Na Copa de 1958, durante preleção para o jogo do Brasil contra a União Soviética, o técnico Vicente Feola traçou a estratégia: Nilton Santos, Zito e Didi trocariam passes no meio-de-campo; Vavá puxaria a marcação para o lado esquerdo e, finalmente, Nilton Santos lançaria a bola nas costas da marcação para Garrincha, que driblaria os adversários, chegaria à linha de fundo e cruzaria para Mazzola completar para o gol. Atento às palavras do treinador, Garrincha, com sua simplicidade, questionou:
“Tá legal, seu Feola. Mas o senhor já combinou tudo isso com os russos?”.
Eduardo Cunha preside a Câmara dos Deputados desde 2015 e tornou-se o maior adversário da presidente Dilma Rousseff. Em sua estratégia de vingança, por se sentir abandonado pelo Palácio do Planalto na ameaça de cassação de seu mandato, admitiu o pedido de impeachment apresentado pelo PSDB e pelo DEM contra Dilma. O presidente havia mentido ao negar ser dono de contas bancárias no exterior. No que esteve ao seu alcance, Cunha escolheu a dedo os integrantes da comissão de parlamentares responsável pela análise do pedido. E, ao contrário de Feola, Cunha combinou com o Rosso.
Rogério Rosso (PSD-DF), 47 anos, é deputado em primeiro mandato. Jamais atuara como parlamentar, nem mesmo como distrital. Tem no currículo passagens como executivo de grandes corporações privadas, uma gestão como presidente da Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central (Codeplan) no governo de José Roberto Arruda e uma passagem como governador-tampão do Distrito Federal durante nove meses, em meio ao escândalo conhecido como Caixa de Pandora.
Rosso sonha em retornar ao cargo no Palácio do Buriti pela via direta. Esse é o seu projeto para 2022. Antes, pretende fazer uma aterrissagem no Senado, a partir de 2018. Mesmo recém-chegado, assumiu a liderança de seu partido na Câmara e tornou-se o interlocutor da bancada com o governo. O presidente Nacional da legenda, Gilberto Kassab, comanda o Ministério das Cidades. Mas Rosso ganhou também a confiança do presidente da Casa. E, na briga entre Cunha e Dilma, acabou escolhido para presidir a Comissão do Impeachment.
Ao combinar o jogo com Eduardo Cunha, o representante brasiliense passou a sonhar mais alto. Pensa em suceder o próprio Cunha na presidência da Câmara, a partir de 2017, e tornar-se vice-presidente da República num eventual mandato de Michel Temer, após consolidarem o afastamento de Dilma. A hipótese faz brilhar seu cobiçado par de olhos azuis.
Suco de maracujá
Para chegar ao seu mais novo objetivo – a vice-presidência da República, pela via indireta – Rosso tem cumprido uma agenda tumultuada nas últimas três semanas. A ordem de Cunha é acelerar o processo. Assim, as sessões têm acontecido de segunda a sexta-feira, sempre cercadas de tensão e troca de insultos entre as partes – contra e a favor do impeachment. A previsão era de que a sessão que encerrará os trabalhos da comissão, com a votação do parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO), duraria até 30 horas. Estavam inscritos mais de 120 oradores, e cada um teria até 15 minutos para discursar.
A temperatura na comissão atingiu padrões fora do normal na segunda-feira (4), quando o Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo, foi fazer a defesa oral da presidente. Rosso chegou a determinar que os garçons da Câmara distribuíssem suco de maracujá para acalmar a turba. Se o remédio fez algum efeito, ninguém percebeu. O tumulto foi equivalente ao da sexta-feira (1º), quando os juristas Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal fizeram a acusação.
Na quinta (7), mais uma etapa foi cumprida no acordo Rosso-Cunha: Jovair Arantes deu parecer favorável ao prosseguimento ao impeachment da presidente.
Rosso, o Garrincha, cumpriu à risca a estratégia de Cunha, o Feola: driblou todos os obstáculos na Comissão de Impeachment, chegou à linha de fundo e cruzou na medida. Jovair, o Mazzola, matou no peito e fez um golaço, de bicicleta.
A expectativa agora é se Cunha, o Feola, conseguirá montar estratégia tão eficiente para o segundo tempo do jogo, que começa na segunda-feira (11), no Plenário, onde precisará de 342 votos para levantar o troféu – a cabeça de Dilma na bandeja para ser julgada pelo Senado.
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