Após seis semanas de um transplante autólogo da medula óssea e em pleno processo de recuperação, volto a escrever para o Brasília Capital. E calhou de ser na semana em que o conflito árabe-israelense voltou a eclodir de forma dramática. De antemão, declaro que são injustificados os ataques de ambos os lados às populações civis israelenses e palestinas. Se de um lado tem um grupo paramilitar, o Hamas, que recorre a práticas terroristas para massacrar civis, do outro está Israel, que pratica o terrorismo de Estado, que não hesita em promover frequentes matanças de palestinos.
Em Israel já são cerca de 1.200 mortos, sendo 1000 civis, mais de 500 feridos internados em estado grave, que morrem ou são liberados dos hospitais e de 100 a 200 reféns levados para Gaza. Do lado palestino, em uma subcontagem há 1.500 militantes do Hamas mortos em combate, perto de 1.500 civis mortos em Gaza, milhares de feridos e a infraestrutura detonada, com cortes de energia, água e alimentos.
O conflito tem suas raízes na criminosa política colonial inglesa no início do século XX, que resultou numa partilha anacrônica endossada por Truman e Stálin. Hoje Israel é comandado por um primeiro-ministro que, indiciado em três casos de corrupção, busca evitar uma condenação tramando um golpe institucional e incorporando a extrema direita ao seu governo.
O editorial de 8/10 do jornal israelense Haaretz, fundado em 1919, é claro: “O desastre que se abateu sobre Israel é de clara responsabilidade de uma pessoa: Benjamin Netanyahu, que conscientemente conduziu Israel para o perigo, ao estabelecer um governo de anexação e de desapropriação, ao adotar uma política externa que ignorava abertamente a existência e os direitos palestinos. O governo Netanyahu tem feito esforço para esmagar o movimento nacional palestino, em Gaza e na Cisjordânia, a um preço que pareça aceitável para o público israelense. A partir das últimas eleições, implantou um governo totalmente de direita, com medidas abertas para anexar a Cisjordânia e realizar uma limpeza étnica em partes da “Área C” definida em Oslo.
A “Área C” representa 60% do território da Cisjordânia, de onde palestinos vêm sendo expulsos de suas terras e de seus lares para a instalação de colônias judaicas. A Cisjordânia e Jerusalém Oriental foram ocupadas em 1967 por Israel na Guerra dos Seis Dias e dez anos depois, em 1977, o número de colonos judeus era de apenas 3.000. Em 1993, época do Acordo de Oslo, tinha crescido para cerca de 100 mil. Atualmente são 720 mil, sendo 500 mil na Cisjordânia e 220 mil em Jerusalém Ocidental (onde são mais 350 mil judeus).
Portanto, é equivocada a nota do governo brasileiro (Itamaraty) quando diz: “Não há justificativa para o recurso à violência”. Para matar civis, certamente não, mas a violência é o recurso vislumbrado por grande parte da juventude palestina quando Israel fecha todos os canais de negociação.
E a política de negação do Estado palestino e de anexação da Cisjordânia lamentavelmente encontra hoje amplo respaldo da maioria da sociedade israelense. Em 1992, os partidos israelenses que buscavam uma saída negociada com os palestinos tinham o apoio da maioria dos israelenses. O Partido Trabalhista teve 35% dos votos, que somados aos 12% do Meretz e o Haddash e os 7% pela lista árabe, totalizavam 54% do eleitorado.
Em 2022, o Partido Trabalhista despencou para pífios 3,7%, o Haddash teve 3,8% e o Meretz, com 3,2%, sequer ultrapassou a cláusula de barreira (3,5%). Com os 5% obtidos pelos partidos árabes, somaram apenas 15% dos votos e elegeram 14 deputados de um total de 120.
O Likud de Netanyahu elegeu 32 deputados e, aliado aos partidos ultra religiosos – uma espécie de Centrão Judeu, pois ninguém governa sem o apoio deles, que elegeram outros 32 – formou maioria no parlamento. A outra banda da direita compreende o Yesh Atid (24 cadeiras), o Unidade Nacional, ex-Azul e Branco (12) e o Yisrael Beitenu, de Lieberman (6).
Finalizo com um trecho do artigo de meu filho João Koatz Miragaya, editor do site Conexão Israel, filho de mãe judia, morando em Israel desde 2009 (atualmente próximo à fronteira libanesa), com a esposa e dois filhos pequenos e que motivou o título deste meu artigo:
“O Hamas e a Jihad Islâmica são resultado da ocupação, da opressão realizada por Israel. Portanto, é correto dizer que estamos colhendo o que os governos israelenses plantaram desde 1967, com a construção de assentamentos, afrontas aos direitos humanos, humilhações e violência com episódios de mortes e prisões arbitrárias. E todos nós sabemos o que acontece quando incentivamos o ódio nacionalista. Acaba a solidariedade entre os povos, a consciência de classe vai pro beleléu e o fascismo floresce”.
Que a sociedade israelense recobre a sanidade!