Cada paralelepípedo da velha
Hipocrisia vai passar.
Imolamos a ignorância e a repressão
Cantando um samba contra a
Opressão
Boas-vindas, Chico,
Um novo Camões
A hora é de querermos mais:
Rasgar essa página infeliz da nossa história
Queimar resquícios dos senões
Um dia impostos a Brasil e Portugal
Enquanto sangravam nossos ancestrais
Dê-se a Chico o que é de Chico
Entregue-se a ele o seu diploma
Homenagem justa e merecida
Ode ao poeta-escritor
Láurea ao grande compositor.
Liberdade à nossa pátria mãe
Antes adormecida tão distraída
Numa noite escura de arrepiar
Desbotada da memória das nossas novas gerações.
A cidade está a cantar. Vem ver de perto!
Chico Buarque foi indicado em 2019 para receber o Prêmio Camões de Literatura. Mas Jair Bolsonaro passou quatro anos se recusando a assinar o diploma. Pior pra ele. Na segunda-feira (24), em Lisboa, Lula e o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, entregaram o diploma ao cantor, compositor e escritor.
E Chico não deixou barato. Disse que valeu a pena esperar para receber o prêmio no dia em que Portugal celebra o fim da ditadura. E que os quatro anos pareceram uma eternidade com o Brasil gerido por “um governo funesto em que o tempo parecia andar para trás”.
Aquele governo foi derrotado nas urnas, mas nem por isso podemos nos distrair, pois a ameaça fascista persiste no Brasil como um pouco por toda parte. Hoje, porém, nessa tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu prêmio Camões, deixando o seu espaço em branco para assinatura do nosso presidente Lula”.
Chico Buarque
Chico afirmou, emocionado, que recebia o Camões menos como uma honraria pessoal, e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nos últimos anos de estupidez e obscurantismo.
Na cerimônia de entrega do Prêmio Camões a Chico, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou a importância da obra do artista para contar com poesia as relações entre Brasil e Portugal e usar a língua portuguesa como instrumento de disseminação da cultura e das lutas do Brasil.
“Chico transformou em patrimônio literário comum os amores de nossos povos, as alegrias de nossos carnavais, as belezas de nossos fados e sambas, as lutas obstinadas de nossas cidadãs e cidadãos pela conquista da liberdade e da democracia”
Presidente Lula
Ao lado do presidente de Portugal estavam o primeiro-ministro de Portugal, António Costa e outras autoridades, além do homenageado. E Lula se disse feliz em corrigir um dos absurdos cometidos contra a cultura brasileira – Chico Buarque ter sido contemplado com o prêmio há quatro anos, mas não o ter recebido por descaso da gestão anterior com a cultura e os artistas nacionais.
Segundo Lula, o ataque à cultura, em todas as suas formas, foi uma dimensão do projeto que a extrema direita tentou implementar no Brasil. “Se hoje estamos aqui para fazer esse gesto de reparação e celebração da obra do Chico, é porque a democracia venceu no Brasil”.
O presidente lembrou ainda que o obscurantismo e a negação das artes também foram marca do totalitarismo e das ditaduras que censuraram o próprio Chico Buarque no Brasil e em Portugal. “Esse prêmio é uma resposta do talento contra a censura, do engenho contra a força bruta”.
Marcelo Rebelo de Souza se referiu ao artista como parte integrante do patrimônio comum dos países de língua portuguesa, e disse que a escolha de premiar Chico não precisaria ser fundamentada por nenhuma decisão, já que ela se impõe pelas evidências, acima de tudo poéticas, de sua obra. “Chico esperou quatro anos para receber, e nós esperamos quatro anos, como admiradores esperam os que admiram, como amigos esperam uns pelos outros”.