Romário Schettino
Especial para o Brasília Capital
A presidente do Serviço de Limpeza Urbana do DF, engenheira Kátia Campos, defende a função social da coleta do lixo e vê como responsabilidade do Estado a execução de políticas públicas no cumprimento do que determina a legislação federal. “A desativação do Lixão da Estrutural faz parte desse entendimento e tudo está sendo realizado com esse objetivo”, diz ela.
Nesta entrevista, Kátia explica o processo desencadeado pelo GDF e garante que os catadores não serão prejudicados. Pelo contrário, terão a proteção do Estado para trabalhar com dignidade na prestação de um serviço fundamental para a sociedade brasiliense. Como em Brasília não existe indústria de reciclagem de vidro, um decreto do governador, previsto para fevereiro, vai reduzir o ICMS de 18% para 1%. A intenção é estimular a instalação desse tipo de empresa no DF.
BC – Com a inauguração do aterro sanitário de Samambaia, no dia 17 de janeiro, o que o SLU tem a dizer sobre o calendário de desativação do Lixão da Estrutural?
Katia – O aterro é a peça chave. Sem ele não teríamos como iniciar o processo de desativação do Lixão da Estrutural, previsto em lei federal. A ideia é continuar levando para o aterro sanitário apenas o rejeito.
BC – O que é rejeito?
Kátia – Depois que se coleta o lixo, retira-se a parte seca para a reciclagem dos catadores [papel, plástico, papelão etc], aquilo que tem viabilidade técnica, econômica e financeira; tira o lixo orgânico para fazer o composto, que é uma espécie de adubo que utilizado em plantações. O rejeito é a parte que não tem viabilidade de aproveitamento e é enterrada com a tecnologia empregada no Aterro Sanitário de Samambaia.
BC – Como ficará o trabalho dos catadores que vivem do Lixão?
Kátia – Agora nós vamos construir cinco novas centrais de triagem. Três com recursos do BNDES (R$ 20 milhões), duas com recursos do GDF e ainda reformar duas, que hoje atendem cerca de 25 pessoas, e que passarão a atender mais 180. Com isso, teremos mais 1.500 postos de trabalho para os catadores em um único turno. À medida que a coleta seletiva for aumentando é possível ter mais turnos de trabalho e mais empregos de catadores.
BC – Onde serão instaladas essas centrais?
Kátia – Uma delas será em Ceilândia, dentro da área do SLU, onde já tem uma usina de compostagem; uma na L4 Sul, onde tem outra usina; duas no SIA, perto da Cidade do Automóvel, que serão reformadas; e as outras três serão construídas nessa mesma região com os recursos do BNDES. Atualmente, temos oito associações de catadores trabalhando em locais protegidos, com teto, banheiros, etc. São duas cooperativas em Ceilândia. Para as outras cooperativas que estão fora do Lixão, o SLU está fazendo chamada pública para serem contratadas. Esses trabalhadores precisam estar cadastrados, formalizados perante o Estado, para que possam receber segundo sua produtividade.
BC – Quanto eles ganharão?
Kátia – O preço gira em torno de R$ 96 a tonelada. Eles comprovam o trabalho e a comercialização, que é deles, e o SLU paga pelo serviço. A partir de fevereiro vamos passar a contratar as cooperativas que conseguirem comprovar a documentação exigida.
BC – Alguns catadores alegam que essa mudança não lhes garante ganhar o que recebem hoje no Lixão. Como manter essa renda?
Kátia – Hoje o SLU já contrata quatro cooperativas para fazer coleta seletiva em Samambaia, Santa Maria, Recanto das Emas, Candangolândia e Brazlândia. Cada uma recebe cerca de R$ 32 mil por mês, tudo regularizado. Este ano vamos ampliar esse número para fazer triagem e novos campos de coleta seletiva. É prioridade, e faz parte da legislação de saneamento e de resíduos sólidos, contratar os catadores.
BC – O fato de esses catadores morarem na Estrutural não prejudica o seu deslocamento?
Kátia – As duas centrais reformadas e as três que serão construídas estão dentro da área da Estrutural. A questão é saber quantos fazem parte dessa mão de obra, já que é flutuante. Em julho do ano passado o número de catadores no Lixão quase triplicou. Parecia uma Serra Pelada. Nesse período houve demissão na construção civil e os trabalhadores sem qualificação correram para o Lixão. O número de regulares vai de 800 a 900 catadores. Quanto maior o desemprego, maior o número de catadores. O reflexo é imediato. Brasília tem mais 300 mil desempregados.
BC – Enquanto essas centrais não ficarem prontas, como vão sobreviver os catadores?
Kátia – Estamos trabalhando para entregar sete centrais; quatro até final de 2017 e três no primeiro semestre de 2018. Enquanto isso, eles vão continuar trabalhando no Lixão. Aqueles que se cadastraram para capacitação terão uma ajuda de custo de R$ 300 por mês, durante um ano. Assim, eles deverão frequentar um curso de 12 horas/mês para aprender como sair de cima da montanha de lixo e trabalhar em lugar decente, com dignidade. Mas enquanto todas centrais não estiverem concluídas, o Lixão continuará funcionando. Isso está no acordo que fizemos com os catadores. Hoje temos 900 inscritos. Em fevereiro teremos mais 900. O governo pretende ainda incluir mais 1.200 bolsistas por meio de projeto de lei.
BC – E quem tem direito a essas bolsas?
Kátia – A bolsa é para quem está no Bolsa Família. Não é para quem comprovadamente ganha R$ 4 mil por mês, esses estarão fora desse atendimento. Tem gente lá no Lixão que se gaba de tirar até R$ 16 mil por mês, isso não é um problema social do Estado. Essa pessoa invade espaço público, explora os catadores e se beneficia da miséria alheia. Quando percebem que o Lixão será fechado, usam essas vítimas como bucha de canhão para fazer resistência.
Qual é o calendário verdadeiro, real?
Kátia –Em 2017 vamos inaugurar quatro (duas novas e duas reformadas) e no ano que vem, três. Começamos o trabalho em 2015, inauguramos o aterro em 2017 e, em 2018, concluímos com o fechamento do Lixão.
O vidro é considerado rejeito ou reciclável?
Kátia – Em Brasília não há indústria de reciclagem de vidro. Levar um caminhão de vidro até São Paulo não compensa nem o valor do combustível. Por isso, o vidro entra como rejeito, quando deveria ser reciclado. Em fevereiro, o governador vai publicar um decreto reduzindo o ICMS de 18% para 1% para estimular a instalação de indústria de reciclagem no DF. Isso já passou no CONFAZ.
E a coleta seletiva?
Kátia – Em 2014 o GDF fez licitação para fazer coleta seletiva em 100% do DF, supondo que todo o lixo é igual. O lixo de Águas Claras, por exemplo, tem 70% de reciclável. Na Cidade Estrutural, tem apenas 20%, isso depende da renda, claro. Em março de 2015, a primeira empresa contratada desistiu do serviço. Em setembro, a segunda foi embora porque o volume estimado não compensava o investimento. Hoje, temos nove regiões administrativas com coleta seletiva por uma empresa chamada Valor Ambiental, e cinco RAs por associações de catadores. Isso representa 60% da população do DF.
E nas outras 17 cidades?
Kátia – São catadores autônomos que fazem a coleta seletiva. Há famílias inteiras trabalhando na coleta de papelão, plásticos etc. 95% desse lixo coletado para uma pessoa chamada Jair, que tem uma empresa de nome Capital Recicláveis, que fica ao lado da Estrutural. Ele tem 20 mil metros quadrados de área e equipamentos de prensa importados da Alemanha. 85% do que ele compra no DF vem de pessoas pobres que vivem de catação. Até o final do ano o SLU pretende implantar a coleta seletiva em 100% das cidades.
O que você diria aos catadores nesse momento de angústias reveladas em várias matérias de imprensa?
Kátia – É natural que haja preocupação de todos e as reivindicações são legítimas. Nós estamos rigorosamente cumprindo a lei dando prioridade aos catadores e não nos furtamos ao diálogo. Isso significa também que é preciso capacitação, regularização da documentação das associações e cooperativas. O que existia em 2015 era uma situação, em 2018 será outra completamente diferente. O processo é necessário para dar dignidade a quem trabalha e preservar o meio ambiente.
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