Orlando Pontes e Tácido Rodrigues
Pré-candidato ao Buriti em 2026, Leandro Grass (PV) defende a unidade da esquerda para derrotar o que chama de extremismo. “Quando há divisão, demonstra que pode haver ali projetos individuais. Estamos trabalhando para ter uma frente única para defender e transformar Brasília”, afirma. Atual presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Grass faz referência ao presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Ricardo Cappelli (PSB), também pré-candidato ao GDF pelo campo da esquerda, e dispara: “Quem acha que vai resolver a eleição com seu próprio nome ou com seu próprio partido já está fracassado”. No entanto, ressalva: “Cappelli não é meu adversário”.
O ex-deputado distrital avalia, nesta entrevista ao Brasília Capital, que o governador Ibaneis Rocha (MDB) acertou ao implantar a tarifa zero no transporte público (ônibus e metrô) aos domingos e feriados. Ele defende mais investimentos na atenção primária à saúde, escolas de tempo integral e projetos de mobilidade urbana, como a expansão do metrô.
O senhor é candidato a governador em 2026? – Sim. Sou pré-candidato. Disputei em 2022, numa campanha singela do ponto de vista de recursos, mas muito forte nas ruas. Foi a candidatura de um projeto construído a várias mãos, um programa de governo elaborado por mais de 200 pessoas, inúmeros encontros e participação da sociedade. Faltaram 4.900 votos, aproximadamente, para chegar ao segundo turno, o que, na minha avaliação, seria positivo para a gente debater melhor os assuntos da cidade. Estamos trabalhando para ter uma frente única, ampla, em 2026, a exemplo do que aconteceu nacionalmente, para defender e transformar Brasília.
Como vê seus adversários no campo da esquerda? – Não os enxergo como adversários. Todos os partidos têm autonomia e legitimidade para lançar seus nomes. Desde 2022, eu defendo unidade, não só dos progressistas, mas das pessoas que gostam de Brasília. Até porque não vamos governar apenas para a esquerda, mas para todos. Defendo uma frente ampla porque uma divisão da esquerda inviabiliza qualquer possibilidade de vitória. A população precisa ver essa força. Quando há divisão, demonstra que pode haver projetos individuais, e não que representam a cidade. Portanto, meu projeto é coletivo.
Ricardo Cappelli (PSB) está em pré-campanha percorrendo o DF e “morando” em algumas cidades. Ele sai na frente? – Eu estou numa missão que me foi dada pelo presidente Lula de recuperar um órgão que estava destruído. Tenho muito trabalho aqui, e, ao mesmo tempo, nos finais de semana, à noite, ou antes de começar o expediente, eu tenho andado nas cidades. Estive, recentemente, em São Sebastião e na Ceilândia. Fui visitar escolas, falar com as pessoas. Eu continuo atuando nas ruas junto com companheiros como Gabriel Magno, Erika Kokay, Leila do Vôlei, Reginaldo Veras, Max Maciel, Chico Vigilante e Ricardo Vale. Realizamos atividades demonstrando essa unidade que construímos na prática. Em relação a outras pessoas que são pré-candidatas, principalmente aquelas que não conhecem tão bem Brasília, creio que têm que conhecer. Eu estive em todas as regiões administrativas, fui em todos os hospitais regionais. Visitei mais de 370 escolas. Conheço o DF por dentro. Sou de Brasília, cresci e sempre trabalhei aqui.
O que acha da estratégia do Cappelli? – Conheço muito pouco o Cappelli. Estivemos juntos em algumas oportunidades. O PSB, em 2023 e 2024, vinha participando desse encontro suprapartidário, composto por oito siglas. O próprio PSB em vários momentos defendeu a unidade e que não houvesse antecipação de pré-candidaturas. A Câmara Legislativa me deu a oportunidade de andar por todo o DF, em locais esquecidos, como Vila Nova, Nova Colina, Dorothy, Café Sem Troco e outros que nem aparecem no mapa. Lá você vê realmente a desigualdade, a tristeza que é, na capital da República, termos pessoas que não têm o que comer, não têm água tratada e tantas debilidades. Vejo Cappelli como um aliado. Quem acha que vai resolver a eleição com seu próprio nome ou com seu próprio partido está fracassado. Só a unidade vai permitir derrotarmos o extremismo aqui no DF.

Como foi o trabalho do Iphan na recuperação do acervo vandalizado no 8/1? – Importante relatar que a ministra Margareth Menezes (da Cultura) me ligou no dia 7 de janeiro, um sábado, para me convidar para o Iphan. E no dia 8 aconteceu tudo aquilo. No dia 9, mesmo ainda não nomeado, eu já estava em campo visitando os palácios e dando respostas para essa recuperação. Aquilo foi um dos crimes pelos quais Jair Bolsonaro, os generais e as pessoas que destruíram as sedes dos Três Poderes estão sendo acusadas, que é de dano ao patrimônio cultural. O Iphan também foi importante para subsidiar as informações que hoje até estão nos autos. Fizemos relatórios para a Unesco, para o governo brasileiro, e demos respostas concretas. Recuperamos 20 obras, demonstrando que o Brasil é soberano e que a gente não vai ficar refém do vandalismo e de criminosos que querem destruir a nossa cidade.
Em fevereiro, o teto da Igreja São Francisco de Assis, em Salvador, caiu e matou uma pessoa. O que tem sido feito para evitar outros casos como este? – Primeiro, é importante entender que preservar o patrimônio cultural é tarefa de toda a sociedade, dos estados e municípios, não só da União. A gente usa o termo ‘tombamento’ para falar do patrimônio material, que pode ser uma obra de arte, uma igreja, até uma cidade inteira, como Brasília. Temos hoje no Brasil mais de 1.200 bens tombados. E tudo isso tem dono. O que é reconhecido como patrimônio cultural não é do Estado, nem do governo. O Iphan tem um papel importante na preservação destes bens, orientando, recomendando e até fazendo investimentos. Desde 1940, o Iphan faz obras e ações na Igreja de São Francisco. Infelizmente, houve essa fatalidade. Já tínhamos investido, desde 2023, mais de R$ 4 milhões. O projeto para o restauro já estava contratado e agora vamos avançar. As ações emergenciais já começaram – escoramento, limpeza, estabilização. Mas é preciso criar essa consciência de que o patrimônio tem proprietário e todos somos corresponsáveis pela preservação.
Em função do cargo que ocupa, o sr. precisa manter contato com o governador Ibaneis Rocha, que foi seu adversário na última campanha. Como é essa relação? – Sou republicano. Respeito os meus adversários, mesmo quando eles nos atacam. Seguindo o exemplo do presidente Lula, temos construído diálogo com todos os governos estaduais e prefeituras no Brasil. No DF, não é diferente. A gente está falando da maior cidade tombada do mundo. Então ela tem que dar o exemplo.
Então o diálogo é institucional… – Desde o início, eu tive essa abertura para dialogar com o GDF. O Iphan tem projetos importantes aqui em Brasília. Com a Secretaria de Educação, por exemplo, para promover a educação patrimonial nas escolas públicas, as ações do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] em relação à Praça dos Três Poderes, ao Catetinho e ao Museu Vivo da Memória Candanga. São investimentos do governo federal em Brasília. Um outro projeto que a gente está fazendo na Vila Planalto é recuperar o Conjunto Fazendinha e outros imóveis pioneiros da região.
Falando do DF, que avaliação faz da saúde e o que faria de diferente se chegar ao Buriti? – A saúde é um problema gravíssimo no DF. A raiz do problema, para mim, é a falta de cobertura da atenção básica, que é a saúde perto da casa das pessoas. Se as pessoas não têm acompanhamento frequente, a tendência é adoecerem e pararem no hospital, na UPA, o que sobrecarrega o sistema. Mas isso é uma opção política. O governo atual, ao contrário do que prometeu na campanha de 2018, prioriza o que se chama de média e alta complexidade, através do Iges-DF (Instituto de Gestão Estratégica de Saúde). Colocou-se quase todo o investimento em saúde ali, enquanto a atenção primária ficou desabastecida. O Iges não cumpre meta, não entrega serviços de qualidade. E ainda tivemos secretário preso e os três primeiros presidentes denunciados por improbidade. Eu, na época em que era deputado distrital, combati esse modelo. Hoje, o DF tem o maior tempo de espera da fila do SUS no Brasil. A capital da República, muito menor do que outros estados, não consegue fazer o básico.
A nossa leitora Maryelle Cruz menciona que os professores estão com salários defasados e quer saber o que o sr. propõe para a educação, caso seja eleito governador. – A educação hoje, infelizmente, está precarizadíssima. E os professores são o primeiro ponto a ser discutido. O DF já foi referência, não só em salário, mas também em formação de professores. A gente tinha programas de saúde e qualidade de vida. Hoje, os professores estão afastados por problemas de saúde mental oriundos dessa sobrecarga. É muito duro para um professor chegar numa sala de aula entupida com 40 alunos, sem ar-condicionado, no calor infernal, e fazer um bom trabalho. Em outro aspecto, a escola reflete muito as transformações da sociedade. Não tem como a educação funcionar sem a participação das famílias. É preciso trazê-las para dentro da escola.
Na sua avaliação, como está a segurança pública do DF? – PM, PCDF e Corpo de Bombeiros têm as corporações mais bem formadas do Brasil. O problema da segurança pública é, em primeiro lugar, a qualidade de vida desses agentes, que também vêm adoecendo. Temos um alto índice de suicídio, e ninguém fala sobre isso. Falta inteligência, equipamento tecnológico e infraestrutura para que eles trabalhem da melhor forma. Segurança não é só polícia na rua. Segurança é prevenção. E aí tem um recorte dentro da segurança pública que é a violência contra as mulheres. O DF é campeão de feminicídio. As medidas protetivas aqui não são devidamente acompanhadas e cumpridas. A sensação de medo é muito alta. Pergunta para qualquer mulher de Brasília se ela tem tranquilidade de andar na rua à noite. Eu defendo maior investimento em tecnologia e infraestrutura, saúde e qualidade de vida para os policiais e um combate ostensivo e duríssimo aos autores de violência contra as mulheres.
Como analisa este novo perfil do trabalhador no DF e no país, especialmente o mais jovem? – O DF, hoje, tem 15% de desempregados, o dobro da média nacional, que é de 7%. Ou seja, Brasília não fez acontecer um modelo de desenvolvimento econômico que nos deixasse mais independentes do serviço público. Aqui tem muitas vocações econômicas que não são fomentadas. Poderíamos ser o hub tecnológico do Brasil e da América Latina, atraindo empresas de TI, de software, de desenvolvimento, programação, o que dialoga muito com essas expectativas da nova geração. Ao mesmo tempo, o DF tem uma vocação interessante para a economia criativa, envolvendo, por exemplo, o setor de gastronomia. Existe em Brasília uma avenida para investimentos, até para os tradicionais modelos econômicos, como a construção civil. Brasília ainda pode crescer de forma sustentável. Para isso, é preciso que haja uma revisão sobre esse modelo de disponibilidade de terras e de crescimento urbano, que está desordenado e mal feito.
O governador Ibaneis adotou a tarifa zero no transporte público aos domingos e feriados. Vê isso com bons olhos? – Quando as pessoas acertam, a gente tem que reconhecer. Foi um acerto a tarifa zero aos finais de semana, e eu defendo que ela seja expandida para a semana inteira. É possível começar a experimentar em algumas linhas mais transversais, que fazem esse deslocamento das pessoas ao centro da cidade. Os horários também poderiam ser ampliados. Hoje, infelizmente, os trabalhadores noturnos, principalmente garçons, vigilantes, têm dificuldade de voltar para casa. A questão do transporte é muito séria, não tem a ver apenas com ir e vir. Tem a ver com emprego, acesso à cultura, à saúde. É claro que não podemos ser irresponsáveis e simplesmente dizer “vai ser tudo de graça”. Alguém vai pagar essa conta e precisa ser demonstrado que vale a pena. Para além disso, é essencial criar novos canais de financiamento para a mobilidade urbana, não só para custear a tarifa zero, mas para ampliar o metrô, implementar o tão sonhado VLT, colocar o transporte de bairro. Tudo isso é uma questão de vontade política e de prioridade.
Ibaneis tem focado em obras por todos os cantos da cidade. Esta diretriz está dentro do que a população espera, na sua visão? – Obras são importantes, precisam ser feitas e eu defendo aquelas que vão melhorar a vida das pessoas. Mas pergunte para quem mora no Recanto das Emas como está o trânsito no viaduto. Pergunte para quem mora em Taguatinga como está o acesso ao túnel. O mesmo vale para outros lugares. As obras viárias, se não estiverem conectadas com o fortalecimento do transporte público e da mobilidade urbana, vão ser apenas paliativas e, infelizmente, estimular o uso do carro. A gente precisa ampliar o saneamento básico em várias regiões que não têm água tratada, de obras na saúde, na educação. A gente precisa de novas creches, obras de assistência social. Precisamos de escolas técnicas. Então, obra não é só viaduto. Minha ideia é mudar a concepção das obras em Brasília, que realmente transformem a nossa sociedade.
Qual seu sonho para Brasília, esta jovem senhora que vai completar 65 anos? – Eu gostaria que Brasília saísse desse lugar de contraexemplo. Capital tem a ver com referência, tem que espelhar o que há de melhor. Veja, Brasília é, hoje, o maior tempo de espera na fila do SUS, o último lugar na oferta da educação integral, terceira maior população de rua do Brasil, top no ranking do feminicídio. Eu quero que Brasília saia deste lugar e seja exemplo. Infelizmente, hoje não é o que está acontecendo, mas é possível. Isso implica vontade política, gestão, trabalho, seriedade, disciplina, planejamento e, acima de tudo, pacto. O dia que governarmos esta cidade, não será apenas para alguns. Será para todos. Será principalmente para quem mais precisa. Sonho com uma cidade que não seja controlada por grileiros, traficantes e corruptos, por aquelas pessoas que só sugam o orçamento público e não devolvem nada para a população, mas que seja governada por quem ama Brasília.