Orlando Pontes e Tácido Rodrigues
Pré-candidato ao Palácio do Buriti em 2026, o ex-interventor da Segurança Pública no Distrito Federal após os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, Ricardo Cappelli, afirma, nesta entrevista ao Brasília Capital, que o maior desafio do sucessor de Ibaneis Rocha (MDB) será “transformar Brasília e o DF numa coisa só”.
Sua estratégia é “ouvir as pessoas e conhecer a realidade das periferias para acabar com esse apartheid social na capital da República”. Para isso, vai morar durante dez dias, todos os meses deste ano, em uma Região Administrativa do DF – as primeiras foram o Sol Nascente e o Pôr do Sol, em Ceilândia, em janeiro.
“Por que o parque do Sudoeste, no Plano Piloto, tem quadra, tem água, tem banheiro, tem bebedouro, e no parque do Setor O não tem nada?”, indagou. Cappelli também defende que a classe política “saia do discurso ideológico”, e busque resolver os problemas reais da população.
Como estão as conversas com a esquerda e o centro para ampliar essa pré-candidatura ao Buriti? – Na verdade, foi o meu partido, o PSB, que levantou essa possibilidade de eu participar mais intensamente da vida política no Distrito Federal, o que me deixa muito honrado. Mas a eleição ainda está muito longe. O mais importante agora para o campo do presidente Lula é estreitar os laços com a população. Quanto mais gente em movimento, melhor. Tenho certeza absoluta de que, lá na frente, na hora de decidir [o postulante ao GDF], a base do presidente Lula estará unida no DF.
Como tem sido a experiência de morar por uns dias na periferia para conhecer a realidade dessas pessoas? – Tem sido extraordinário. Uma coisa é você ir ao local, fazer uma reunião e voltar para casa. Outra coisa é você se mudar para a casa das pessoas e dispensar carro e motorista. Casas reais, famílias reais. Teve dia que andei de metrô, teve dia que eu peguei dois ônibus… É completamente diferente, porque você bota o pé no chão e faz um mergulho na realidade.
O que considera mais positivo nisso? – O melhor são as pessoas. Você vê a generosidade. Elas, com um coração imenso, te recebem, conversam.
E o mais negativo? – O mais difícil foi ver a realidade. A saúde é um caos. No posto do Sol Nascente não tem médico. Um enfermeiro atende, dá o diagnóstico e a receita. Não tem saneamento básico nem asfalto em boa parte das ruas.
Ver de perto essa realidade contribui para formatar uma proposta de plano de governo? – Faz toda diferença. Reunir técnicos, especialistas e formular um plano de governo é uma coisa. Outra é você andar, botar o pé no chão. No Pôr do Sol, andei da Quadra 76 à 94, que são as duas comunidades mais carentes. Conversei com as pessoas. É muito melhor do que falar “eu vi uma foto, estive lá numa reunião”.
O senhor já tem um cronograma das próximas cidades em que vai morar? – Só sei que vai ser todo mês. A gente vai tirar de uma semana a dez dias para ficar nas regiões. Estamos acabando de definir o cronograma de fevereiro. Não posso dar spoiler.
Como anda sua relação com o ministro Flávio Dino, do STF? – Quem me nomeou interventor no DF foi o presidente Lula, por indicação do ministro Flávio Dino. Eu era o 02 do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O interventor seria o Flávio, mas ele já tinha sido diplomado senador — e senador não pode assumir essa função. Como o 01 não podia, eu era o 02 e acabei recebendo essa missão. E cumpri.
O sr. está preparado para o embate com os adversários neste caminhar até o Buriti? – Volto a dizer: a eleição de 2026 está muito longe.
Então o sr. queimou a largada… – Não. O que estou fazendo é o que o campo democrático fazia nas décadas de 1970 e 1980. O PT começou com as Comunidades Eclesiais de Base. O problema é que o campo democrático se afastou muito da base real da população. Independentemente do que vai acontecer lá na frente, se eu serei candidato, o que estou fazendo é o que, na minha opinião, todo mundo do campo democrático deveria estar fazendo, que é mergulhar na realidade da população.
O ex-governador Rollemberg, do seu partido, entrou em atrito com o Sindicato dos Professores e, hoje, o Sinpro-DF paga uma multa de R$ 11 milhões por uma ação movida pela gestão dele contra a greve da categoria. A esquerda tem um discurso para ganhar eleição e outra para exercer o poder? – Bom, eu nunca cheguei ao poder. Não posso responder pelos outros. As pessoas que me conhecem sabem que eu honro as coisas que eu digo e os compromissos que assumo. Acho que cada governo esteve inserido em um contexto histórico diferente. O que eu acho é que essa coisa de esquerda e direita, essa polarização existe muito na cabeça de quem está na política e na cabeça da imprensa. Quando eu estive no Trecho 3 do Sol Nascente, eu vi esgoto a céu aberto e as crianças pulando em cima para brincar. Ninguém quer saber ali se o esgoto é de esquerda ou de direita. O que eles querem é solução. Não interessa se o asfalto, se o saneamento vai ser de esquerda ou de direita. No posto de saúde, o paciente não quer saber se o médico é de esquerda ou de direita. O que interessa é que ele esteja lá e atenda.
Então, o sr. não acredita que a polarização vai pautar as eleições de 2026? – O que eu acho é que a gente tem que sair desse discurso ideológico, que fica alimentando loucura. Tem que ir para resolver os problemas da população, sem ódio. Perde-se muito tempo discutindo essa polarização ideológica e se esquece dos problemas reais da população.
Na primeira reunião ministerial de 2025, Lula disse que o governo federal precisava olhar mais para os anseios dos trabalhadores, que hoje são empreendedores. O senhor tem projetos para fomentar a geração de emprego e renda do DF? – O presidente está certo. O mundo mudou. O Brasil mudou. Essa semana que eu passei no Sol Nascente/Pôr do Sol me chamou muito a atenção a frase que as pessoas mais usaram: “eu estou empreendendo, eu quero empreender”. O empreendedorismo está muito presente. Isso é uma realidade. Eu ainda não tenho plano, proposta de nada. O que a gente está fazendo nesse momento é ouvindo. A minha convicção dessa jornada é que a gente conhecendo cada lugar, consegue dizer como pode ajudar.
Isso quer dizer que o Pablo Marçal estava um passo adiante em 2024, porque ele falou muito sobre empreendedorismo e quase chegou à Prefeitura de São Paulo… – Com certeza. Ele conseguiu captar um sentimento real de uma parcela importante da população, que é a questão da pessoa tentar montar seu próprio negócio.
O sr. conheceu alguma experiência que confirme esta teoria? – Estive conversando com a cooperativa de costureiras. Elas se juntaram para ter o negócio delas. Então, isso é uma coisa muito presente. A gente, como gestor público, não pode ignorar essa nova realidade, que, na minha opinião, veio para ficar.
O prefeito do Recife, João Campos, do PSB, é tido como um fenômeno político e das redes sociais. O sr. considera um bom nome para ser vice de Lula? – O João é uma liderança extraordinária. É jovem e creio que tem tudo para se eleger governador de Pernambuco. O vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin vem fazendo um trabalho excepcional. Ele é o vice dos sonhos de qualquer presidente: trabalhador e leal. Acho que o presidente Lula está muito bem servido de vice e a melhor chapa é a repetição da chapa de 2022.
Que mensagem o sr. deixa para os brasilienses a um ano e nove meses das eleições para as quais já se apresentou como pré-candidato ao GDF? – A coisa que mais tem me marcado desde que iniciei essa caminhada é que eu converso com as pessoas e elas dizem: “o pessoal de Brasília não queria que a gente estivesse aqui”. O que está mais me marcando nesse momento é essa divisão, esse apartheid. Por que lá no parque do Sudoeste tem quadra, tem água, tem banheiro, tem bebedouro, e no parque do Setor O não tem nada? Eu acho que o maior desafio aqui é acabar com essa divisão, é ter um Distrito Federal igual para todos. Não pode a parcela mais privilegiada ter serviços e equipamentos públicos de maior qualidade e o resto ser tratado como invasor, inquilino indesejado. O que eu vi no Pôr do Sol e no Sol Nascente foi pessoas serem tratadas como resto, literalmente. Portanto, o desafio é ter Brasília e o Distrito Federal como uma coisa só.
Saiba +
Ricardo Garcia Cappelli, 53 anos, natural do Rio de Janeiro, é formado em Jornalismo e pós-graduado em Administração Pública pela FGV. Foi chefe da Representação Institucional do Governo do Maranhão em Brasília.
Em virtude dos ataques de 8 de janeiro de 2023, foi nomeado interventor federal na Segurança Pública do DF pelo presidente Lula. No mesmo ano, foi ministro interino do GSI da Presidência da República. Atualmente, é presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).