Cento e sessenta pessoas que há 16 anos compraram lojas e kitnets em um centro comercial, em Águas Claras, na Avenida Castanheiras número 680, próxima ao Big Box, hoje brigam na Justiça e no Governo de Brasília para o imóvel sair do papel. A obra foi iniciada por uma cooperativa que, segundo os compradores, vendeu todas as unidades do imóvel e extraviou o dinheiro após o início da construção, que nunca foi finalizada. A cooperativa foi destituída, e agora os adquirentes arregaçaram as mangas para viabilizar o final da obra.
O sonho que virou pesadelo começou em 2001. Incentivado pelo GDF, o modelo de aquisição por meio de cooperativas era a forma mais atrativa de compra de imóveis comerciais e residenciais no início deste século em Águas Claras. Com baixo valor de compra em uma região com expectativa grande de crescimento, o centro comercial tinha disponíveis 150 salas, comercializadas a R$ 40 mil, e 120 lojas, a R$ 50 mil a unidade.
A promessa era de que em 2004 as primeiras instalações estivessem prontas para uso. Porém, mesmo após os futuros condôminos terem quitado todas as prestações do financiamento, em 2008, nada estava pronto. A cooperativa alegava inadimplência dos compradores como razão para o atraso na obra. Com isso, os cooperados se uniram em 2010 para montar uma associação e lutar pelos seus direitos.
“Esse argumento de inadimplência é inválido. O contrato possibilitava a cooperativa, após três meses de inadimplência, retirar o financiador, vender o imóvel e devolver o dinheiro investido com deságio de 20%”, disse o presidente da associação, que preferiu não se identificar por medo de represálias dos donos de cooperativas.
Processo judicial
A demora na entrega do prédio fez com que moradores, isoladamente, movessem processos contra a cooperativa e ganhassem a causa na Justiça. Entretanto, como presidentes e diretores não tinham bens ou patrimônio em seus nomes, de nada adiantou. “Eles ganharam, mas não levaram”, explicou o presidente da associação.
“É impressionante a insegurança jurídica em nosso país. Mesmo com cinco anos de obra parada, apareceram novos compradores e adquiriram lojas no local. Hoje, são associados e lutam pela nossa causa”, afirmou o presidente da associação. Segundo ele, a cooperativa aplicou parte do dinheiro na obra e extraviou o restante.
A cooperativa foi destituída em 2015, após longo processo judicial. Entretanto, outro entrave impossibilitou a continuação da construção: a regularização do terreno. De propriedade privada, o lote foi cedido à cooperativa através de permuta. Porém, assim como fez com os compradores, a cooperativa não pagou os 20% relativos à arrecadação com lojas e salas.
Regularização
O terreno acumula desde 1999 uma dívida de R$ 4 milhões – R$ 2 milhões com a Terracap e mais R$ 2 milhões referentes ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). O valor encarece ainda mais os investimentos que terão de ser feitos pelos associados para erguer novamente a construção, parada há 13 anos.
“Agora, é trabalhar para esse empreendimento se tornar viável. Estamos elaborando o memorial descritivoda obra para especificar todos os custos e fracionar entre os associados. Sabemos que vamos arcarcom um valor acima do que foi financiado. Estima-se que foram gastos R$ 10 milhões com a atual construção e serão gastos mais R$ 25 milhões”, disse o presidente.
Sonhos frustrados
Em 2001, Pedro Silveira (*), de 42 anos, comprou uma loja com o objetivo de alugar para terceiros e extrair do empreendimento a fonte de renda da família. À época, recém-casado, Pedro não tinha filhos. Hoje, seu filho tem 11 anos e ele acumula dupla jornada com a carreira de servidor público e a função que exerce por necessidade: gestor da obra paralisada.
“Hoje, minha família está num momento totalmente diferente. Se antes tínhamos interesse de usar o imóvel como investimento, agora pretendo abrir uma loja de roupas para adolescentes. A intenção é não perder o dinheiro que investimos. Gastamos R$ 50 mil com a loja”, disse.
Evandro Silva (*) é outro financiador que viu frustrada a chance de erguer um negócio em Águas Claras. Sua intenção era abrir uma confeitaria para vender brigadeiros, antes mesmo de Águas Claras se tornar um pólo gastronômico.
“Tínhamos várias intenções à época. Uma delas era de montar uma confeitaria e pensamos em uma loja de bijuteria também. Minha filha era uma criança e pretendíamos erguer esse negócio pensando no futuro dela. Hoje, ela está com 25 anos e só pensamos em correr atrás do prejuízo”, disse Evandro.
(*) A identidade dos associados foi preservada.}