Em tempo de carnaval, a Polícia Federal deflagrou a operação “Tempus Veritatis”, visando apurar uma suposta organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito no Brasil.
A organização criminosa estava estruturada em seisnúcleos, operada essencialmente por militares, financiada por empresários, notadamente do “ogronegócio”, e apoiada por políticos de direita e pastores oportunistas.
À frente da “Orcrim” estavam Bolsonaro, três ministros, todos generais de 4 estrelas – Augusto Heleno (GSI), Braga Netto (ex-Casa Civil e Defesa) e Paulo Sérgio Oliveira (Defesa) – e Anderson Torres (Justiça).
Desde que assumiu a presidência em 2019, Bolsonaro e a extrema direita buscavam desacreditar o sistemaeleitoral (que o elegeu em 2018), desacatar o STF, exaltar a ditadura militar e atacar a democracia. A intentonafascista teve seu grande ato inaugural no 7 de setembro de 2021, quando hordas bolsonaristas foram incitadas ainvadir o STF.
Em meados de 2022, com Lula na dianteira das pesquisas eleitorais e antevendo a derrota, a direitabolsonarista intensificou os ataques ao processo eleitoral e ao TSE. A estratégia era desacreditar o processo eleitoral, afirmando que a eleição conduzida pelo TSE seriafraudulenta.
Numa reunião ministerial, em 5 de julho, discutiu-se abertamente a necessidade do golpe para impedir a vitória de Lula. Paulo Sérgio de Oliveira afirmou que “a comissão do TSE é para inglês ver. Sigo na linha de contato com o inimigo (o TSE)”.
Já o general Augusto “Veneno”, após propor que poderia infiltrar gente da Abin na campanha adversária, foi bem claro: “O que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições, dar soco na mesa, virar a mesa, é antes das eleições. Nós vamos ter que agir, contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas”.
Só que não sabiam como fazer. Antevendo o repúdio da comunidade internacional a um golpe de Estado no Brasil (EUA, União Europeia, China e países da América Latina dificilmente reconheceriam o governo golpista, pelo menos num primeiro momento), Bolsonaro organizou uma reunião com dezenas de atônitos embaixadores para denunciar a tal “fraude eleitoral”, com resultado zero.
No 7 de setembro do bicentenário da Independência, falando para seus seguidores, Bolsonaro repetiu o lero-lero da “fraude eleitoral” e envergonhou a Nação, deslocando o presidente de Portugal e puxando pra seu lado o Véio da Havan.
Em 3 de outubro, Bolsonaro, mesmo com o uso descarado da máquina de governo, viu Lula chegar perto da vitória com 48,4% dos votos. Nas três semanas até o 2º turno, o uso da máquina foi ao extremo. A PRF,aparelhada, tentou ampliar a abstenção no Nordeste, mas Lula manteve a dianteira e venceu com 2,14 milhões de votos de vantagem.
No dia seguinte, 31 de outubro, a estratégia para o golpe foi alterada. Tratava-se agora de criar no país umclima de anarquia que demandasse uma intervenção militar (o famigerado Artigo 142).
De um lado, o PL contestou a vitória de Lula, apontando, sem nenhuma prova, irregularidades nas urnas. De outro, iniciou-se, com a conivência da PRF, o bloqueio de rodovias, com mais de 320 barreiras, número que subiu para 460 em 1º de novembro.
A estratégia faz lembrar a aplicada no golpe militar de 1973 no Chile: causar o desabastecimento, notadamente de combustíveis e alimentos, gerando o caos no país. A reação da sociedade, do STF e de alguns governadores fez a sabotagem refluir, mas permanecendo por mais 3 semanas.
Ao mesmo tempo, iniciou-se a formação de acampamentos em frente a quartéis em praticamente todas as capitais estaduais e cidades médias do país, com a direita pedindo intervenção militar para barrar a posse de Lula.
Em 15 de novembro, manifestação da direita em Brasília. Em 18 de novembro, “Praga” Netto pede que os bolsonaristas “não percam a fé”. Novembro transcorreu com rodovias bloqueadas e virulentos discursos diante dos quartéis.
Em 28 de novembro, o Coronel Correa Netto fez reunião com oficiais, exortando-os a pressionarem oscomandantes militares a aderirem ao golpe. Nove dias depois, em 7 de dezembro, circulou a primeira minuta dodecreto, que instituiria o Estado de Sítio, anularia a eleição de 30 de outubro, prenderia Alexandre de Moraes, fecharia o TSE e convocaria novas eleições.
Em 9 de dezembro, há o fatídico encontro de Bolsonaro com o senador Marcos do Val e o deputado Silveira, e a reunião com o general Theophilo de Oliveira, responsável por mobilizar forças especiais do Exército (os chamados Kids Pretos) para prender Alexandre de Moraes.
Três dias depois, em 12 de dezembro, após a diplomação de Lula, nova tentativa dos fascistas em gerar o caos, pretexto para a intervenção militar, promovendo um “badernaço” em Brasília: invadem uma delegacia depolícia, tentam invadir a sede da Polícia Federal, espalham botijões de gás pelas ruas, incendeiam ônibus e carros e cercam o hotel onde Lula estava hospedado.
Em 14 de dezembro, “Praga” Netto pressiona os comandantes militares pela adesão ao golpe, chamando de “cagão” o comandante do Exército, general Freire Gomes, e de “traidor da Pátria” o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior (“inferniza a vida dele e da família”).
Apoiando o golpe, apenas o comandante da Marinha, Almirante Almir Garnier. Mesmo sendo bolsonaristas de primeira linha, alguns membros do Alto Comando das três armas tiveram o mesmo comportamento verificado no golpe em 1964. Esperariam até o último momento e endossariam o golpe se tivessem certeza de seu sucesso.
Nova ação buscando gerar o caos ocorreu na véspera de Natal, com a tentativa de explodir um caminhão-tanque, com 63 mil litros de combustível, no terminal do aeroporto de Brasília. Em 30 de dezembro Bolsonaro vai para os EUA e em 1º de janeiro Lula toma posse na presença de delegações de 70 países e de 200 mil pessoas na Praça dos Três Poderes.
Em 8 de janeiro ocorreu a tentativa derradeira dos golpistas. Mais de 5 mil acampados marcharam do QG do Exército, escoltados pela PM do Distrito Federal, até oCongresso Nacional, o Palácio do Planalto e a sede do STF, invadidos e depredados, sob os olhares complacentes da polícia local e de militares do Exército.
Novos bloqueios de rodovias começaram a se formar em Mato Grosso e no Pará. A expectativa era de convocação da GLO (Garantia da Lei e da Ordem), dando ao Exército o efetivo controle do país.
Mas o plano gorou. A GLO não foi acionada e a intervenção no comando da PMDF permitiu a remoção dos vândalos e a prisão de milhares deles no dia seguinte, com a ordem pública sendo restabelecida.
O restante do roteiro é bem conhecido: em 30 de março Bolsonaro retornou dos EUA, encalacrado comacusações de apropriação de joias; em 30 de junho foi declarado inelegível pela realização da reunião comembaixadores e tem em curso investigações pela PF do aparelhamento de órgãos públicos pelo desgoverno Bolsonaro (PRF, Abin etc).
Em 8 de fevereiro de 2024, enfim, vem a operação da PF “Tempus Veritatis”.
Os cabeças do golpe
Augusto Heleno: tem um currículo sinistro. Foi ajudante de ordens do ministro do Exército, o general fascista Sylvio Frota, quando este tentou um golpe contra Geisel em 1977; como comandante militar da famigerada Missão da ONU no Haiti; comandou, em 2005, a operação “Punho de Ferro”, que massacrou 70 haitianos. Afastado pelo presidente Lula a pedido da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, foi nomeado em 2007 comandante militar da Amazônia, quando passou a criticar abertamente (eu mesmo presenciei duas vezes) a política indigenista do governo Lula, defendendo o fim da criação de Terras Indígenas e a abertura das existentes ao garimpo e à exploração agrária.
Braga Netto: tem em seu currículo o trágico comando da intervenção militar na Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro em 2018, nomeado por Michel Temer, período de 10 meses em que a violência aumentou e foi registrado o maior número de mortes por ação policial em duas décadas. Bolsonarista de primeira linha, foi nomeado ministro da Casa Civil, depois da Defesa e, por fim, candidato a vice na chapa de Bolsonaro.
Paulo Sérgio de Oliveira: do trio, é o que tem currículo mais “modesto”. Em março de 2021, assumiu oComando do Exército; um ano depois foi nomeado ministro da Defesa, quando cumpriu a sórdida missão de tentar, como integrante da Comissão Eleitoral do TSE, desacreditar o órgão e a urna eletrônica.
Bolsonaro: este dispensa apresentação.