Júlio Miragaya (*)
Antes de enviar milhões de judeus para campos de concentração e matá-los nas câmaras de gás – antes de invadir a Polônia em 1939 e a União Soviética em 1941 e assassinar 30 milhões de poloneses, russos e ucranianos – Hitler tinha, desde 1921, nas hordas da SturmAbteilung (SA), sua tropa de choque voltada para intimidar, atacar e assassinar sindicalistas, comunistas e socialistas. Mas seu Partido Nazista não tinha expressão na sociedade alemã.
Nas eleições legislativas de 1924, obteve pífios 3% dos votos. Já os dois grandes partidos de esquerda, o Partido Social-Democrata Alemão (SPD) e o Partido Comunista Alemão (KPD) tiveram, somados, 36%, e os partidos de centro-direita, 61%. Na eleição de 1928, os dois partidos de esquerda cresceram para 40% e a centro-direita caiu para 57%, tendo o partido de Hitler meros 2,6%.
Na eleição seguinte, em 1930, com o agravamento da crise econômica provocada pelo crack de 1929, seguida de forte agitação operária, muito temerosa a burguesia apostou suas fichas no Partido Nazista, que disparou para 18,2% dos votos, enquanto os dois partidos de esquerda trocavam farpas entre si (votação somada caiu para 37,7%) e a centro-direita tinha nova queda, para 44% – ainda majoritária.
Mas, em novembro de 1932, enquanto a centro-direita definhava (29,6%) os dois partidos de esquerda – agora majoritários (37,3%) – se acusavam mutuamente, recusando um entendimento, permitindo que o Partido Nazista, com 33,1%, assumisse o governo em janeiro de 1933.
O resto, todos sabemos: prisões e assassinatos de lideranças sindicais e políticas; eleições em março sob forte coação, na qual o Partido Nazista se fortaleceu, obtendo 43,9% dos votos, com a votação no SPD e KPD caindo para 30,6%; banimento dos partidos de oposição e terrorismo eleitoral em nova eleição em novembro de 1933, com o Partido Nazista obtendo 92,1% dos votos. Na Itália de Mussolini, havia ocorrido roteiro similar.
Esta lição vale para o Brasil de hoje, para os partidos políticos que prezam pela democracia; para os candidatos que defendem a democracia, casos de Lula e Ciro (talvez de Simone e Janones); para as organizações sindicais e populares e as diversas organizações civis da sociedade brasileira.
A mais ampla unidade das forças populares e democráticas é crucial em momentos como o que estamos vivendo. O bolsonarismo, tal qual o nazismo há 90 anos na Alemanha, conta com amplo apoio e os fartos recursos das classes dominantes, que jogam todas as suas cartas na perpetuação de um país para poucos, na manutenção de privilégios. Para preservá-los, conta com centenas de milhares de forças policiais e pessoas armadas, a quem Bolsonaro chama de “seu exército”.
As ameaças de Bolsonaro têm sido explícitas: “Não se pode esperar chegar 2023, olhar para trás e nos perguntarmos o que nós não fizemos. Parece que será preciso nós tomarmos as decisões que precisam ser tomadas”. Não há como ser mais claro!
Desprezo à vida – O desprezo à vida é característico dos fascistas e é próprio de Bolsonaro. Admirador do torturador Brilhante Ustra, Bolsonaro lamenta que a ditadura não tenha matado 30 mil no Brasil, como o fez na Argentina. Não podemos jamais nos esquecer que o Brasil caminha para 700 mil mortos pela covid-19 por obra do genocida.
Seu discurso negacionista continua matando, e nas últimas semanas, segundo a Johns Hopkins University, o Brasil superou a Rússia, Alemanha, Índia e até os EUA, e hoje, com 1.700 mortes semanais, é o país onde mais se morre pela doença no mundo.
Neste ritmo, são cerca de 90 mil mortes por ano. Mas a morte foi naturalizada, pois, para Bolsonaro, “já iam morrer mesmo”. É o mesmo desprezo à vida que esteve presente nos massacres perpetrados pela polícia do Rio no Jacarezinho e na Vila Cruzeiro e no assassinato de Genivaldo de Jesus pela PRF em Sergipe.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável e ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia