É muito comum no Brasil se recorrer a um velho hábito (ou esperteza) de se imputar a outro seus próprios desvios e transgressões. É o caso típico do motorista que ultrapassa sinal vermelho, corta engarrafamento pelo acostamento, não respeita a faixa de pedestre e vive reclamando do trânsito. E quem não se lembra de Cunha, Geddel e Aécio acusando Lula de corrupto?
Há um provérbio popular que diz: quem tem telhado de vidro não atira pedra no telhado do vizinho. Parece que Bolsonaro e sua choldra, que se fartaram de acusar Lula de corrupção, não o conhecem. Lula foi absolvido de todas as acusações de corrupção em todos os tribunais fora da jurisdição de Curitiba (TRF-4). E mesmo as condenações formuladas pelo “juiz ladrão” Sergio Moro – com base em delações “encomendadas” a empresários corruptos com a promessa de redução de penas – foram derrubadas no STF por incompetência e parcialidade. Já Bolsonaro, que se diz “incorruptível e imbroxável”, está diretamente envolvido num escabroso caso de corrupção.
Trata-se da perniciosa tentativa de aquisição, pelo Ministério da Saúde, da vacina Covaxin, fabricada pelo laboratório indiano Bharat Biotech. O caso estourou com a denúncia de um servidor público do MS de sofrer pressão para dar aceite a uma nota fiscal que possibilitaria um pagamento adiantado de US$ 15 milhões por uma vacina que ainda não tinha autorização da Anvisa e tampouco havia disponibilidade para entrega. Ademais, a quantidade prevista de vacina e o nome da empresa na nota estavam em desacordo com o que constava no contrato, assim como pagamentos de frete e seguro, atribuição do vendedor, estavam imputados ao MS.
Como agravante, o contrato com o laboratório indiano envolveu a intermediação da Precisa, empresa pertencente a Francisco Maximiano, dono da Global, envolvida em calote de R$ 20 milhões no MS na gestão do ex-ministro Ricardo Barros. Para operar a ação em benefício da Precisa, que montou escritório num paraíso fiscal, Ricardo “Lamas”, contava no MS com dois servidores nomeados por ele.
O mais escandaloso é que tais irregularidades foram comunicadas a Bolsonaro pelo deputado bolsonarista Luís Miranda, a quem o presidente genocida respondeu que era “rolo” de Barros, líder do “Centrão” e do governo na Câmara, e que iria relatar o ocorrido à PF. E o que fez Bolsonaro? Mandou alertar a Precisa para corrigir as maracutaias na nota fiscal e mandou o ministro Ônix Lorenzoni ameaçar o deputado e seu irmão, que denunciaram a maracutaia, além de atacá-los via tuíte.
É o modus operandi das “famiglias” mafiosas. Deve-se ressaltar que Maximiano goza da proximidade da famiglia Bolsonaro, pois, para se reunir com Gustavo Montezano, presidente do BNDES, o dono da Precisa, contou com a intermediação do senador Flávio “Rachadinha”. É “preciso” abrir essa “caixa preta”. E o que mais “precisa” para abrir o processo de impeachment?
A pressão no MS envolveu o coordenador-geral de Logística, tenente-coronel Alex Lial Marinho e o assessor, coronel Marcelo Bento Pires, ambos indicados pelo general Pazuello. Juntos com o coronel Divério, afastado por licitação fraudulenta na Superintendência do MS/RJ, todos naufragaram com a tese do ex-capitão de que “militares são incorruptíveis”. Faz lembrar outro provérbio popular: “olha pra teu rabo, macaco”.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia