Um dos mitos que ainda subsistem no Brasil é o de que os bandeirantes paulistas foram os responsáveis pela conquista de vastas regiões para que o País ostente o amplo território que hoje ocupa. Mas o fato é que eles não promoveram conquista alguma – que só se efetiva com a ocupação do território, com o desenvolvimento da agricultura, do pastoreio e a fundação de vilas. Mas promoveram a mais sangrenta espoliação, captura e escravização de indígenas, vendidos nas vilas e fazendas da faixa litorânea.
O início da entrada dos bandeirantes para além dos limites de Tordesilhas não foi contestado pela Espanha, que entre 1580 e 1640 ocupava a coroa de Portugal. Ademais, tais regiões não despertavam interesse dos espanhóis, focados na exploração das minas de prata no México e no Alto Peru e na ocupação do estuário do rio da Prata, estratégico local de embarque da prata para a Espanha.
Segundo o Tratado de Tordesilhas, na porção portuguesa da América do Sul estava a atual Região Nordeste, Tocantins, leste do Pará e de Goiás, quase todo o Sudeste (exceto o oeste de São Paulo) e as faixas litorâneas do Paraná e Santa Catarina, num total de 3,12 milhões Km². Na porção espanhola estava a região Norte (exceto Tocantins e leste do Pará), o Centro-Oeste (exceto o leste de Goiás), o oeste de São Paulo e o Sul (exceto o litoral do Paraná e Santa Catarina), num total de 5,39 milhões Km².
Após a fundação de São Paulo de Piratininga (1554), as vilas fundadas pelos bandeirantes no sul do país ocorreram na porção portuguesa: próximo a São Paulo (Itu, Sorocaba, Jundiaí etc.); no vale do Paraíba do Sul (Taubaté, Guaratinguetá, Jacareí); e no litoral sul (Paranaguá, São Francisco do Sul, Florianópolis e Laguna). As primeiras vilas fundadas fora dos limites de Tordesilhas, sejam as litorâneas (Rio Grande, Pelotas) ou as do planalto sulista (Lages, Rio Negro e Curitibanos), ocorreram já no século XVIII e não tiveram qualquer relação com as Bandeiras.
A “conquista” bandeirante é tão ilusória que em 1872, dois séculos após suas supostas “conquistas territoriais”, as regiões por eles “conquistadas” permaneciam praticamente despovoadas: em todo o oeste das províncias do Paraná e de Santa Catarina, área das antigas Reduções de Guairá, apenas em Guarapuava e Castro, municípios nos quais o primeiro Censo Demográfico do Brasil contou escassos 29.265 habitantes em 180 mil Km² (0,16 hab/Km²).
Também em dois municípios no extremo oeste paulista (Jaboticabal e Lençóis), 80 mil Km² eram ocupados por apenas 21.289 pessoas (0,27 hab/Km²); dois no planalto catarinense (Lages e Curitibanos), com 13.805 habitantes em 30 mil Km² (0,46 hab/Km²) e três no noroeste gaúcho (São Borja, Cruz Alta e Passo Fundo), este mais densamente ocupado (62.953 habitantes em 80 mil km² e 0,79 hab/Km²).
Já no vasto território de 1,48 milhão de Km² da província de Mato Grosso, área das Reduções de Itatins, a população nos nove municípios em 1872 era de apenas 60.387, sendo 60% no município de Cuiabá. Nos 740 mil Km² ocupados pelos municípios da fronteira oeste (Vila Bela da Santíssima Trindade, Diamantina, Cáceres, Rosário do Oeste e Poconé) residiam 13.983 pessoas (0,02 hab/Km²). E nos 3 municípios da porção sul (Corumbá, Miranda e Paranaíba), do atual Mato Grosso do Sul, eram apenas 10.417 moradores espalhados por 360 mil Km² (0,03 hab/Km²).
É importante lembrar que desde meados do século XVII o Império Espanhol estava em franca decadência: havia perdido as Províncias Unidas (Países Baixos), vivia assediado pela ascensão da Grã-Bretanha e França e sua prioridade era a manutenção do México e do Alto Peru.
Portanto, no século XVIII, mais do que a figurativa cláusula do “uti possidetis” (posse de fato) – pois ocupação não havia, e, com a exceção de Cuiabá, se resumia à presença de escassos lugarejos e alguns frágeis fortes – foi o desinteresse espanhol nesta vasta porção central sul-americana e o interesse em permutá-la com Portugal pelo controle das Filipinas e das ilhas Molucas na Ásia o que motivou cedê-la nos Tratados de Utrecht (1715), Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777).
Contrasta totalmente com o que ocorreu na expansão norte-americana para oeste, quando a tomada de territórios indígenas ou mexicanos foi imediatamente seguida da ocupação em larga escala: em Ohio, a população saltou de 40 mil em 1800 para 580 mil em 1820; em Illinois, de 12 mil em 1810 para 475 mil em 1840; em Minessota, de 6 mil em 1850 para 440 mil em 1870; no Texas, de 215 mil em 1850 para 605 mil em 1860, e na Califórnia, de 95 mil para 380 mil no mesmo período.
Em resumo, os bandeirantes paulistas não foram heróis e, tampouco, conquistadores, mas apenas cruéis escravizadores e assassinos de indígenas.