Aproxima-se o fim das Olimpíadas de Tóquio e permanece acirrada a disputa entre EUA e China no quadro de medalhas. Se os EUA possuem mais pódios, a China mantém pequena vantagem no número de medalhas de ouro, embora os EUA ainda possam ultrapassá-la. O fato inquestionável é que, também no cenário esportivo, as duas principais potências globais buscam a hegemonia. Mas, se neste terreno os EUA enfrentam a ascensão chinesa num clima de harmonia, fraternidade e esportividade, o mesmo não se pode dizer da arena geopolítica.
Na última semana, Mark Esper, secretário de Defesa dos EUA, voltou a atacar a China, acusando-a de ampliar seu arsenal nuclear, e que isso se constitui numa ameaça direta à segurança norte-americana e à ordem mundial. Apenas se esqueceu de informar que o arsenal chinês compreende 200 ogivas nucleares, ao passo que o arsenal dos EUA é vinte vezes maior, com quase 4.000.
A bem da verdade, seria a China quem deveria se sentir ameaçada. Afinal, seu território está cercado de bases militares americanas, desde as localizadas na Coréia do Sul e no Japão (algumas a menos de 500 Km do litoral chinês), até as situadas no sudeste asiático (Cingapura, Filipinas e Tailândia), e as bases australianas e neozelandesas, no âmbito da aliança militar ANZUS.
Qual seria a reação norte-americana caso, por exemplo, a Flórida, constituísse governo próprio e fosse fortemente armada pela China? Pois essa é a situação de Taiwan, considerada pela China como “província rebelde”, e defendida a ferro e fogo pelos EUA.
A civilização chinesa tem cerca de 5.000 anos e se estrutura como Estado nacional há pelo menos 2.200 anos. Há 200 anos era a maior economia do planeta. Mas, em 1839/42, foi vencida pela Inglaterra na 1ª Guerra do Ópio, e logo depois sofreu a ofensiva conjunta dos imperialismos inglês, francês, alemão e norte-americano, tendo a Rússia e o Japão como agressores retardatários. A partir de então, sucumbiu, vivendo o chamado século da humilhação.
A título de comparação, precisamente no período em que as 13 colônias originais aumentavam sua área territorial de 910 mil para 9,37 milhões de Km², anexando territórios atribuídos aos indígenas nos acordos pós-independência; a Louisiana francesa; a Flórida espanhola; extorquindo 60% do território mexicano; “comprando” o Alasca e incorporando o Havaí na “mão grande”, a China se via obrigada a assinar os chamados “tratados desiguais”, perdendo 3,57 milhões de Km² (Manchúria Exterior, Mongólia, parte do Turquestão Oriental, Tannu Tuva, Arunachal Pradesh e Taiwan), além dos protetorados sobre a Coréia e as Ilhas Ryukyu.
Mas em 1945 a resistência popular chinesa, capitaneada pelo Partido Comunista, conseguiu expulsar o invasor japonês, e, em 1949, derrotou o governo do Kuomintang, decretando o fim do controle imperialista sobre o território nacional. Até 2030 a China voltará a ser a maior economia do planeta e parece razoável supor que em algum momento buscará reaver seus territórios perdidos.
Em sua guerra ideológica, os EUA alegam que a China não respeita os direitos das minorias uigur e tibetana. Ora, que autoridade gozam com o tratamento dispensado às suas minorias de negros, indígenas, hispânicos e asiáticos? Todos sabem que o animal que simboliza os EUA é a águia, especificamente a águia-de-cabeça-branca ou águia careca. Nada mais apropriado a uma nação construída com base na agressão e na predação.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável e ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia