Cristovam Buarque (*)
Na mesma semana do plebiscito que tirou o Reino Unido da União Europeia, conhecido como Brexit, uma pesquisa feita pelo professor Júlio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Programa de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), mostrou que no Brasil são assassinadas 29 crianças por dia, mais de dez mil por ano. Os dois fatos representam o desprezo pelo futuro.
O Brexit é uma preferência pelo passado; a morte de crianças é nossa Braxit, um assassinato de portadores do nosso futuro. Há décadas, o Brasil faz sua Braxit, sem plebiscito, discretamente, por decisões ou missões silenciosas de seus políticos. Raras decisões de um povo geraram tantos debates quanto o chamado Brexit.
Talvez sejam necessárias várias décadas para termos pleno conhecimento das consequências desta decisão. A primeira é ética, com o fechamento daquele país aos imigrantes que buscam abrigo contra a pobreza e as guerras em seus países; a outra é econômica, com perda de investimento e vantagens comerciais; a terceira é política, a partir do isolamento de uma população de 65 milhões de habitantes diante de uma comunidade de 510 milhões; e ainda a cultural, pela perda da oxigenação promovida pela convivência entre povos; além da histórica, pelo isolamento em um tempo de inevitável marcha à integração e globalização.
Mas já é possível dizer que foi uma opção da maioria dos britânicos pelo passado. O perfil etário dos eleitores demonstra: 63% com mais de 60 anos votaram pela saída; 73% com menos de 30 anos votaram pela permanência. O futuro queria permanecer; o passado, sair. A surpresa do voto dos britânicos não surpreende o Brasil.
Há décadas, optamos por sair do futuro, preferindo ficar presos ao passado. Nossos investimentos, nossas estruturas não têm preferência pelo futuro, são usados sobretudo para pagar erros e dívidas do passado. Gastamos R$ 500 bilhões por ano com a Previdência e R$ 300 bilhões com a Educação.
A maioria dos aposentados ainda recebe menos do que o necessário para atender todas as suas necessidades. Mesmo assim, considerando o valor per capita, o passado recebe quase duas vezes mais do que recebe o futuro. Em 2013, o setor público fez um sacrifício fiscal de R$ 2 bilhões somente para promover a venda de automóveis; e de R$ 1,6 bilhões com incentivos fiscais para inovação tecnológica nas empresas.
Em 2015, pagamos R$ 502 bilhões de juros por dívidas financeiras contraídas no passado e investimos apenas R$ 68,5 bilhões na construção de infraestrutura econômica no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Gastamos mais com o passado do que com o futuro.
No dia seguinte ao Brexit, os eleitores do Reino Unido iniciaram o movimento por um Brain, uma reunificação com a União Europeia, mas o Brasil continua sem ao menos perceber nossa clara opção por fugir do futuro, nem se propondo a incorporar-se ao futuro: nosso Brain. Para tanto, são necessárias diversas reformas, mas sobretudo cuidar da educação das crianças.
Nosso Brain quer dizer cuidar do cérebro de cada criança.
(*) Professor Emérito da UnB e senador pelo PPS-DF