Júlio Miragaya (*)
Peço licença aos leitores de Brasília Capital para abordar, neste artigo, uma questão partidária. Mas, pela experiência vivida em 2018 como candidato ao GDF pelo PT, considero uma reflexão oportuna e necessária, especialmente às vésperas de um novo pleito eleitoral. Já se passaram quase quatro anos, mas o desempenho eleitoral do PT nas eleições de 2018 ainda gera muita controvérsia. É fato, o PT/DF teve, em 2018, o pior resultado desde 1990 na eleição para governador, quando obtive apenas 60.592 votos, 4% do total. Mas o malogro eleitoral não se deu apenas aí.
O PT, que em diversas ocasiões elegeu até seis deputados distritais, em 2018, a muito custo, elegeu apenas dois. A dificuldade foi tanta que o candidato do PT ao GDF em 2002, que obtivera quase 500 mil votos e se elegera deputado federal em 2010 com 86 mil, obteve somente 7,5 mil votos em 2018. Foi o 46º mais votado para a CLDF.
Na Câmara Federal, onde no passado recente a legenda elegera três deputados, em 2018 teve apenas uma candidatura eleita graças à sobra de votos, sendo que seus 89,9 mil votos representaram o triplo da soma dos outros 15 candidatos do partido. Para fechar, os dois candidatos ao Senado tiveram fraco desempenho e, para a presidência, o PT obteve o pior resultado no DF desde 1989.
Qual era o “eleitorado petista” no DF em 2018? Foram 90 mil votos em candidatos do partido e na legenda para a CLDF e 130 mil para a Câmara Federal. Haddad teve 190 mil votos em Brasília, mas, além dos petistas, teve os votos do PCdoB e muitos votos de “eleitores do Psol”. Os candidatos do PCdoB-DF tiveram 11 mil votos para distrital, provavelmente todos votando em Haddad, pois Manoela, do PCdoB, era sua vice.
Já os candidatos do Psol tiveram 50 mil votos para a CLDF, e como Boulos teve no DF apenas 13 mil votos, é razoável supor que os demais 37 mil votos “psolistas” tenham ido para Haddad. Portanto, dos 190 mil votos em Haddad, subtraindo-se 11 mil advindos do PCdoB e 37 mil do Psol, os “votos petistas” no DF teriam sido, grosso modo, 142 mil (8,86% do eleitorado).
O PT já teve um eleitorado muito maior no DF. O ápice foi em 2002, quando, numa coligação que agregava apenas os pequenos PCdoB, PCB e PMN, além do PL (que era outro PL), Lula obteve 593 mil votos no 1º turno (49,1%) e Magela, para o GDF, 495.600 (45,6%), número bem superior ao obtido pelo governador eleito Cristovam em 1994. Já em 2014 o quadro havia virado. Dilma, numa coligação com 9 partidos, com 362 mil votos (23%), ficou atrás de Marina e Aécio. Candidato ao GDF, Agnelo, liderando uma coligação de 16 partidos, ficou em 3º, com 20,1% dos votos.
Mas em 2018 o cenário político no Brasil para o PT tinha piorado muito. Havia ocorrido o golpe contra Dilma em 2016, Lula estava preso em Curitiba e o PT e Lula eram diariamente massacrados pela grande mídia. E se no Nordeste/Norte a imagem de Lula e do PT ainda era positiva, o mesmo não ocorria no Centro-Sul do país.
No Rio, que deu 68% para Bolsonaro no 2º turno, Márcia Tiburi (PT) teve 5,8% dos votos. No Paraná, Bolsonaro teve 68,4% e Dr. Rosinha (PT), 8,6%. E o DF era uma das unidades da Federação em que Lula e o PT tinham maior rejeição (Bolsonaro teve aqui 58,5% dos votos no 1º turno e 70% no 2º) e em que Sérgio Moro, o “carrasco” de Lula, era mais idolatrado.
Este cenário de “terra arrasada” persistiu em 2020, quando, por exemplo, o ex-deputado Nilmário Miranda (PT) obteve parcos 23 mil votos (1,88%) para a prefeitura de Belo Horizonte e Daniel Zen, candidato do PT à prefeitura de Rio Branco (AC), capital que o partido governava, obteve escassos 4,01%, o mesmo percentual obtido no DF dois anos antes.
Voltando ao DF em 2018, aqueles 142 mil “votos petistas” em Haddad seriam o limite para a votação de uma candidatura do PT ao GDF. Mas considerando que cerca de 5% dos que votam para presidente votam em branco ou nulo para governador, este limite cairia para 135 mil (8,9% dos votos para governador).
Neste cenário adverso, as principais lideranças do PT-DF refugaram e não se disponibilizaram para a disputa majoritária, optando pela mais confortável disputa pelos cargos proporcionais. Contudo, era preciso que o PT tivesse candidato ao Buriti, nem que fosse apenas para denunciar o golpe de 2016, a farsa em curso e defender o Partido e Lula das falsas acusações.
Dessa forma, nomes alternativos se apresentaram, mas o PT-DF demorou em decidir qual a candidatura. E quando se dispôs a decidir, a Direção Nacional determinou que se aguardasse a definição do imbróglio da candidatura de Lula. Como isto, só se resolveu em julho a convenção que escolheu o nome do PT ao GDF, a dois meses da eleição. E o PT, após encabeçar uma coligação com 16 partidos em 2014, ficou isolado em 2018, pois nenhum partido queria coligar conosco.
Mas não foi tudo. A Direção Nacional do PT entendeu que o DF se enquadrava no último grupo de prioridades de disputas majoritárias, por ser uma UF de menor expressão eleitoral, ter uma candidatura de pouca visibilidade e não ser do prioritário sexo feminino. Isto implicou que a candidatura ao GDF receberia escassos R$ 405 mil do fundo eleitoral para toda a campanha (inferior ao de muitos candidatos a cargos proporcionais) e sequer receberia a visita do candidato a presidente Fernando Haddad.
Para piorar, o comitê de campanha foi instalado faltando um mês para as eleições; não havia definição sobre o programa partidário; a executiva regional foi dissolvida; ocorreram frequentes conflitos entre os dois candidatos ao Senado; ácidas disputas entre as correntes internas etc. etc. Se já estava claro desde o início, ficou ainda mais evidente que as chances de ir para o 2º turno eram absolutamente nulas.
Dessa forma, ocorreu algo previsível, embora lamentável: foi instaurado entre as candidaturas proporcionais o “cada um por si”, e as candidaturas majoritárias (GDF e Senado) foram deixadas de lado. Para muitos candidatos a deputado, associar seu nome ao do Miragaya não agregava voto, ou pior, se o eleitor preferia outro candidato ao Buriti, melhor que seu nome fosse omitido para não atrapalhar. Afinal, “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Assim, os 135 mil “votos petistas” se fragmentaram e apenas 60,6 mil (pouco menos da metade) foram para o candidato do PT. Como os eleitores “psolistas” eram cerca de 50 mil e a candidata do Psol ao Buriti teve 65 mil votos, é razoável supor que cerca de 15 mil “votos petistas” migraram para a candidata do Psol. E os demais 60 mil? Foram principalmente para Rollemberg, como voto útil para colocar um candidato de “esquerda” no 2º turno. Mas milhares foram para Inganeis, num típico voto oportunista.
Para 2022, o cenário é muito diferente: não há mais “onda bolsonarista”; a demonização do PT pela grande mídia arrefeceu; Lula candidato deverá reconverter muitos “ex-petistas” e mais que triplicar os votos petistas no DF; e o PT/DF não está mais isolado, agora federado ao PV e ao PCdoB e com chances de se coligar ao PSB.
Enfim, estão dadas as condições para a ampliação da votação do PT ao GDF (com Grass, do PV), ao Senado (com Rosilene), à Câmara Federal e à CLDF. Que os candidatos (as) a deputados (as) federais e distritais do PT buscarão associar seus nomes a Lula, isso é certo. O que também se espera é que não “escondam” os nomes dos menos conhecidos Grass e Rosilene. Que em 2022 o PT não repita os erros de 2018!
PS.: Muitos me perguntam por que não sou candidato em 2022. Na verdade, me apresentei como postulante a uma vaga na CLDF. Contava em participar de uma disputa em condições menos adversas que em 2018. Mas não imaginei que, tendo “servido” para ser candidato ao governo em 2018, não “serviria” para ser candidato a distrital. Me parece que as vagas no PT foram reservadas aos militantes das correntes internas, o que não é o meu caso.
Vida que segue!
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia e candidato do PT ao GDF em 2018