Júlio Miragaya (*)
A agressão israelense em Gaza não tem limites. Já são quase 80 mil mortos (62 mil reconhecidos pela ONU mais 15 mil sob os escombros). São outros 160 mil feridos ou mutilados. O jornal britânico The Guardian revelou que o próprio Serviço de Inteligência Militar de Israel admitiu que 83% das vítimas são civis, a grande maioria crianças, mulheres e idosos. O massacre não é só em Gaza. Na Cisjordânia são mais de 1 mil mortos, 10 mil feridos e 12 mil encarcerados. Tudo isso com o apoio do imperialismo norte-americano, contando com a hipocrisia das potências europeias e a inação e descaso dos países árabes.
Desde o ataque terrorista do Hamas, em outubro de 2023, Israel faz o que bem quer em Gaza e na Cisjordânia, bombardeou o sul do Líbano, o sul da Síria, o Irã e o Yemen. Mas isso é apenas mais um capítulo de uma guerra que já dura 105 anos na região, desde 1920, quando o Império Britânico estabeleceu o domínio sobre a Palestina e conduziu de forma caótica a administração da região, culminando na criação do Estado de Israel em 1948, na 1ª Guerra Árabe-Israelense nesse mesmo ano, e na Nakba Palestina, a expulsão de 800 mil palestinos de suas terras e lares.
É importante frisar que as agressões perpetradas por Israel/EUA contam com o suporte da grande mídia para endossar suas versões falaciosas. Contra o inimigo Irã, por exemplo, dizem que “é uma ditadura que precisa ser derrubada”. Não mencionam, contudo, que antes da Revolução Iraniana de 1979, o que havia era a sangrenta ditadura do Xá Reza Pahlevi, amigo do “Ocidente”. Omitem que o Irã tem um sistema político único, no qual sua população elege, a cada 8 anos, 88 clérigos para a Assembleia de Peritos, órgão responsável pela eleição do aiatolá, o líder supremo; mas também elege, a cada 4 anos, 290 deputados para seu parlamento, e, também a cada 4 anos, elege diretamente o presidente. O atual, Masoud Pezeshkian, eleito em junho de 2024, é um oposicionista reformista, que derrotou Saeed Jalili, o candidato alinhado ao aiatolá Khamenei.
Mas, na vizinha Arábia Saudita, amiga dos EUA, não se vê qualquer pressão pela derrubada da ditadura da família Saud, fundadora e controladora do país há 100 anos, desde 1926. Os 150 membros da Assembleia Consultiva não são eleitos, mas “escolhidos” pelo rei saudita Salman Al-Saud, que pode sumariamente vetar qualquer decisão por eles adotada. Subordinada ao rei, está a Mabahith, a polícia política saudita, que zela por leis similares às praticadas pelos Talibãs e pelo ISIS, com centenas de pessoas sendo executadas ou “desaparecidas” a cada ano.
Sua ação mais notória foi a execução e esquartejamento do jornalista oposicionista saudita Jamal Khashoggi, em 2018, dentro da embaixada do país na Turquia. Mas, o mandante do esquartejamento, o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman, goza de todo o respeito por parte do governo dos EUA. E nas demais 5 monarquias do Golfo Pérsico, amigas dos EUA, não é muito diferente.
Outra narrativa enviesada é de que o Irã é uma república fundamentalista xiita que afronta as mulheres. É fato que no Irã há muitas restrições às mulheres, mas a mídia ocidental omite, por exemplo, que a taxa de alfabetização das mulheres de 15 a 24 anos saltou de 42,3% em 1979 para os atuais 97,7%; que as mulheres são 60% dos estudantes universitários do país (eram 33% em 1979) e que o percentual de mulheres com nível superior saltou de 2,4% para 18,4%. O Irã é um país cuja civilização remonta há 5 mil anos, sua língua e cultura influenciaram uma ampla região que se estende do Mediterrâneo até às fronteiras com a China e a Índia. Muito pouco para a arrogância do Império.
E essa mídia, tão acidamente crítica ao Irã, omite que, do outro lado do Golfo Pérsico vigora o islamismo sunita wahhabista (salafita), muitas vezes mais reacionário que o xiita. Não difunde, por exemplo, que as mulheres sauditas, de qualquer idade, têm que ter um homem como guardião civil; que 70% das mulheres padecem de falta crônica de vitamina D por baixa exposição à luz solar; que 45% das meninas já foram sexualmente abusadas; que em 2002, 15 meninas morreram carbonizadas e 50 ficaram queimadas por serem impedidas de saírem de uma escola em chamas por não estarem usando o hijab, e que, até 2018, era o único país do mundo que proibia as mulheres de dirigir carros.
A hipocrisia não tem limites. Lembremos que a grande mídia endossou a acusação israelense de que o Irã cometeu crime de guerra quando um míssil iraniano, direcionado à base militar israelense na cidade de Bersheba, acabou por colidir também com o Hospital Soroka, ferindo 71 pessoas. Mas respalda o argumento de Netanyahu de que o bombardeio e destruição de 17 hospitais em Gaza com a morte de 1.411 médicos e enfermeiros, além de centenas de hospitalizados, é inevitável, pois ali se escondem militantes do Hamas.
Como atestou Maquiavel: Aos amigos, os favores. Aos inimigos, o rigor da lei.