Quando a revolucionária polaco-germânica Rosa Luxemburgo escreveu, em 1899, o famoso livro “Reforma ou Revolução”, o dilema que cindia a social-democracia europeia entre reformistas e revolucionários na virada do século XIX para o XX era sobre os objetivos dos partidos socialistas: reformas no sistema capitalista em prol da classe trabalhadora ou a sua substituição pelo sistema socialista? Mais de um século depois, o dilema descrito por Luxemburgo foi substituído por um dilema bem menos nobre: a busca por reformas no âmbito do sistema capitalista ou a submissão ao sistema tal qual ele é.
Sim, nesta 3ª década do século XXI, a revolução socialista saiu da mira dos partidos de esquerda. Hoje, os mais radicais são os que propõem a implantação de reformas no sistema, mas o que tem prevalecido são os partidos que se limitam a buscar a preservação de algumas das reformas conquistadas na segunda metade do século XX.
O sistema capitalista vive sua fase senil, subsistindo de crise em crise. Para tanto contou, ao longo do século XX, com as inestimáveis contribuições da social-democracia e dos partidos comunistas/stalinistas. De um lado, conduzindo o proletariado nos mais distintos países a retirarem a revolução social de seu horizonte; de outro, traindo os seus próprios programas, aderindo às políticas econômicas de cunho liberal, quando venciam eleições e chegavam ao governo.
Adicionalmente, no caso do stalinismo, fazendo a classe trabalhadora duvidar do próprio projeto de uma sociedade socialista, ao ver a degeneração do socialismo burocrático na União Soviética e nos países do leste europeu. Em meados da década de 1970, o fim do processo de reconstrução econômica do pós-guerra precipitou a crise econômica e a emergência do receituário neoliberal, capitaneados pelos governos Reagan e Thatcher.
O sistema capitalista criou, em escala global, instrumentos que garantiram sua subsistência: a globalização produtiva e a crescente financeirização da economia, que reduziram drasticamente a margem de manobra, a autonomia econômica dos governos em países periféricos e os tornavam altamente submetidos às imposições de um “comando global”, centrado em instituições internacionais controladas pelos países centrais, notadamente os EUA.
Se num determinado país a esquerda ascende ao poder executivo, encontrará uma enorme barreira para implementar seu programa, ainda que timidamente reformista. De imediato, será pressionado pelo imenso poder econômico das burguesias financeira, industrial e agrária, ao lado dos poderes Judiciário e Legislativo, das forças armadas, das instituições de Estado (Banco Central, agências reguladoras), da grande mídia, das instituições religiosas etc.
Para agravar ainda mais o quadro, no caso do Brasil e de outros países, ocorre o desmonte do Estado, já fragilizado pela onda de privatizações de setores estratégicos (energia, mineração, telecomunicações, saneamento); de concessões (transporte rodoviário, ferroviário, portos e aeroportos); ou de crescente mercantilização de serviços públicos, nas áreas de saúde e educação. Para não se falar das contrarreformas trabalhista e previdenciária.
O cenário é obviamente desfavorável. Mas o dilema é se a esquerda deve simplesmente se submeter aos limites estabelecidos pelas classes dominantes, sem o risco de gerar crises com o “mercado”, ou se há margem para algum grau de ruptura, mesmo com risco de retaliações por parte do “mercado”?
No caso do Brasil, por exemplo, se discute se não foi um erro o governo, tendo maioria no Conselho Monetário Nacional (CMN), ter aceitado, em 2023, reduzir o centro da meta de inflação para 3% (com teto de 4,5%). Por 14 anos, de 2005 a 2018, a meta de inflação foi de 4,5% ao ano, com teto até 6% ou 6,5%. Entretanto, a partir de 2019, por pressão do mercado financeiro, a meta foi sendo reduzida ano a ano, chegando aos atuais 3% em 2024.
Também poder-se-ia investir mais na agricultura familiar e na Reforma Agrária, em detrimento dos amplos recursos direcionados ao agronegócio, focado quase que exclusivamente em três culturas de exportação (soja, milho e cana) e carnes. Ou não ceder na redução dos gastos sociais. E no setor de energia, recuperar com maior vigor a atuação estratégica da Petrobras.
Em suma, gostemos ou não, o atual dilema da esquerda é este. O que se passou com o Partido Social-Democrata Alemão (SPD) foi bastante ilustrativo. Sua absoluta submissão à burguesia alemã e ao imperialismo norte-americano o conduziu ao seu pior resultado, à sua pior derrota em 138 anos, desde 1887.
Não teria valido mais a pena ter buscado um outro curso?