No Setor de Rádio e TV Sul, passeio público vira estacionamento e é destruído. Foto: Chico Sant\’AnnaCaetano Veloso, em sua canção “Alegria, Alegria”, recomendava caminhar contra o vento. Geraldo Vandré, nos versos da icônica “Caminhando e Cantando”, mandava caminhar, cantar e seguir a canção. Já Gilberto Gil, apelou ao Além em “Andar com Fé”, e decretou: “a fé não costuma falhar”.
Para quem mora em Brasília, seguir o conselho de Caetano
e Vandré é uma tarefa difícil desde os primórdios da nova Capital. A cidade de
avenidas largas foi projetada com o conceito de que o ser humano por aqui deve
ser dotado de cabeça, tronco e rodas.
E essa ideia se fortalece. Historicamente esquecidos,
pedestres e cadeirantes têm muitas dificuldades de locomoção devido à falta de
calçadas e até de sinalização adequada de ruas e faixas de travessia nas
pistas.
As condições para
quem anda a pé ou em cadeiras de rodas em Brasília chegam a ser degradantes,
segundo o estudo Campanha Calçadas do Brasil 2019, realizado pela Mobilize
Brasil. A cidade ganhou nota 6,25, quando, pelos critérios do estudo, o mínimo
aceitável seria 8. Ou seja, Brasília foi reprovada no quesito acessibilidade. O
levantamento só focou o Plano Piloto.
Na Rodoviária, faltam rampas de acesso para cadeirantes. Foto: Uirá LourençoMobilidade – O estudo confirma o que o brasiliense já sabe há
muitos anos: a capital nunca teve uma política de mobilidade urbana que dê a
pedestres e ciclistas boas condições para exercer seu direito de ir e vir.
No governo de Rodrigo Rollemberg (PSB), tornou-se pública
a briga entre o GDF e a comunidade para que as obras do Trevo de Triagem Norte
contemplassem ciclovias e calçadas para pedestres. Mas os projetos originais só
pensaram nos carros.
Assim também são os viadutos erguidos sobre a Epia nas
obras do BRT-Sul na gestão de Agnelo Queiroz (PT). Não existe, ali, a
tradicional calçada lateral.
Problema
recorrente – Caberia também à
Câmara Legislativa apoiar, com emendas ao orçamento, melhorias das calçadas da
cidade. Talvez, por isso mesmo, o brasiliense seja no Brasil aquele que menos
caminha ou pedala no trajeto casa trabalho ou casa escola.
Os dados são da pesquisa Diferenças socioeconômicas e
regionais na prática do deslocamento ativo no Brasil, de Thiago Hérick de Sá e
Rafael Henrique Moraes Pereira, publicada em 2016 na Revista de Saúde Pública,
editada pela Universidade de São Paulo.
O pedestre é um ser esquecido em todo o Brasil. Nenhuma
capital brasileira apresentou estrutura em condições dignas para que o
brasileiro circule a pé.
Em frente ao Planalto, bloqueios na calçada obrigam pedestres a caminhar pela rua. Foto: Uirá LourençoResponsabilidade de todos
É bom que se diga que a responsabilidade de corrigir tal
situação não é só das autoridades governamentais. Todo proprietário de imóvel,
seja ele comercial ou residencial, é responsável pela instalação e conservação
do passeio público à frente do seu imóvel. E estes devem seguir normas técnicas
definidas pelas prefeituras. Cabe a estas – no caso de Brasília, o GDF –
fiscalizar a obediência da lei. Também é de responsabilidade das autoridades,
em especial do Detran e do Batalhão de Trânsito, coibir o estacionamento
irregular de veículos sobre calçadas e jardins. Contudo, em especial no centro
das cidades, incluindo Brasília, é o contribuinte sendo obrigado a custear a
recuperação dos pavimentos, e de sua própria saúde, devido a frequentes quedas
e tropeços nas calçadas esburacadas e quebradas pelos carros que transitam e
estacionam sobre elas.
ILUMINAÇÃO – Outro ponto a destacar, na visão de Uirá Lourenço, um
dos pesquisadores que atuou em Brasília, é a iluminação precária ou inexistente
que leva à insegurança e reduz o uso do passeios à noite e nos finais de
semana. “Nós avaliamos a calçada próxima ao Conic num domingo. Havia usuários
de droga. Ficamos com receio até de usar a câmera para fazer os registros”.
Apesar de ter um grande movimento de pedestres que precisam transpor o Eixão,
as condições das passagens subterrâneas são ruins. A via com menor nota (1,03)
no Plano Piloto foi a S3, entre os Setores Comercial e de Autarquias Sul,
ficando entre as dez piores do Brasil. Junto com ela, se destacam negativamente
os passeios públicos da W-3 Norte (nota 2,13), e do Setor de Rádio e TV Sul
(2,3).
Superquadras têm condições adequadas
No estudo, foram avaliadas as condições das calçadas, da
sinalização para pedestres, o conforto e a segurança para quem caminha. Em
Brasília, duas equipes realizaram as avaliações de caminhabilidade: o miolo das
superquadras, de um lado, e, de outro, os espaços institucionais – Esplanada
dos Ministérios, Praça do Buriti, Rodoviária -, passagens subterrâneas do
Eixão, W-3, dentre outros. O resultado das superquadras foi melhor. As
condições para o caminhar no interior delas foram consideradas razoavelmente adequadas,
graças ao trânsito mais ameno e à cultura brasiliense de ceder passagem aos
pedestres nas faixas de travessia.
Os problemas se tornam mais graves nos espaços
institucionais. Calçadas destruídas ou inexistentes, acesso precário às paradas
de ônibus e largas avenidas sem faixas de travessia ou semáforos de pedestres.
Na Esplanada, chamou a atenção o contraste entre a arquitetura moderna e as
calçadas inacessíveis, sem rampas ou piso tátil. “Na frente do Palácio do
Planalto, flagramos pessoas caminhando na rua, entre carros em alta velocidade,
em razão do bloqueio instalado sobre a calçada”, destaca Uirá Lourenço.
Segundo o pesquisador, “Brasília ainda precisa melhorar
muito em acessibilidade”. O levantamento mostra que quem precisa caminhar
encontra calçadas estreitas, buracos, degraus, postes pelo caminho, faixas de
travessia apagadas, ambientes agressivos e poluídos e nenhum local para
descanso. Esse tipo de problema se mostra também no entorno de escolas,
hospitais e centros de saúde, que deveriam contar com uma atenção diferenciada.
O Setor Hospitalar Sul, e a nova área de clínicas na W-5
Sul, próxima ao cemitério, são exemplos dessa realidade. Lá, inclusive, o GDF
está firmando parcerias com a iniciativa privada – Rede D’Or e Hospital santa
Lúcia – para revitalização dos espaços públicos. São locais onde circulam
idosos, cadeirantes, idosas, crianças ou pessoas com a saúde debilitada e que encontram calçadas com buracos, escadas
íngremes, falta de passeio público e de rampas. Ali, quem tem a preferência é o
carro.
Bons
exemplos – O levantamento constatou vários
pontos de boa acessibilidade, como algumas quadras residenciais, o Parque da
Cidade e o espaço Renato Russo, onde as calçadas foram reformadas e estão em
ótimas condições. A calçada da 602 Sul, que serve à Escola de Música de, ficou
em quarto lugar dentre as melhores do País: nota 9,13 (a escala vai até 10). O
Parque da Cidade recebeu 9,07 e a Escola
Classe da 415 Norte (8,83).Brasília perdeu pontos em coisas de fáceis resolução
e muitas sob responsabilidade do Detran, como
sinalização e semáforos para pedestres, ausência ou necessidade de
revitalização de faixas de travessia, e falta de mapas e placas de orientação.