A maioria civilizada da sociedade brasileira assistiu, indignada, ao vídeo de Daniel Silveira, ex-PM e deputado federal pelo PSL/RJ, xingando e ameaçando ministros do STF, pregando a volta do AI-5 etc. Arthur Lira, presidente da Câmara e novo líder do Centrão, afirmou que se tratava de um ponto fora da curva.
Erro crasso, pois, na verdade, o deputado miliciano representa a ponta de um iceberg. Sim, pois declarações desta natureza, elogiando a ditadura militar, defendendo o AI-5, a tortura, aparecem aos milhares nas redes sociais. São proferidas em atos antidemocráticos e estão diariamente na boca de outros parlamentares, empresários, policiais, militares e até de religiosos.
São milhares os adeptos das teses fascistas no Brasil de hoje, organizados em grupos espalhados pelo país, muitos deles armados, como os milicianos. São grupos que operam à margem da lei, com ligações com membros das forças regulares, controlam negócios ilegais (gás, transporte pirata, TV a cabo, internet), intimidam lideranças de organizações populares e políticos de esquerda e impõem o controle político nas periferias, cuja população acuada é forçada a eleger seus candidatos (caso de Silveira).
A história está recheada de exemplos deste tipo. Os mais notórios foram os Squadristi (Camisas Negras), grupo paramilitar fascista italiano, surgido em 1919, e a Sturm Abteilung(SA), tropa de assalto do Partido Nazista, formada em 1922, ambos em reação à ascensão dos partidos socialistas e comunistas após a 1ª Guerra Mundial.
Dispunham-se a fazer o “trabalho sujo” para a burguesia, espancando e assassinando militantes sindicais e lideranças de esquerda, e por isso tinham o apoio e o financiamento das grandes corporações italianas (Fiat, Pirelli, Ansaldo, Benedetti, Alfa Romeo, Techint) e alemães (BMW, Daimler Benz, VW, Porsche, Bayer, Thysen, Krupp, Siemens, Allianz, DeutschBank).
Aqui na América Latina, a Triple A assassinou 1.500 militantes de esquerda na Argentina entre 1973 e 1983. Na Colômbia, grupos paramilitares assassinavam não somente guerrilheiros das FARC, mas também lideranças camponesas e sindicais que lutavam por direitos trabalhistas e sociais.
No Brasil, na década de 1930, a Ação Integralista Brasileira (AIB) combatia sindicalistas, sendo os seus membros conhecidos como “Galinhas Verdes”. Nas décadas de 1960 e 70, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e o Esquadrão da Morte espalhavam o terror. Definitivamente, não se trata de “um ponto fora da curva”, mas de uma ameaça real.
Para encerrar, qual foi o episódio mais patético da semana? a) o miliciano derramando “lágrimas de crocodilo” ao pedir desculpas ao povo brasileiro; b) o miliciano xingando a policial do IML e usando o celular dentro da viatura da Polícia Federal sob a omissão (submissão) dos seus agentes; c) o Ministro “Aha, Uhu, o Fachin é nosso”, protestando, três anos depois, contra o tuíte em que o general Villas Bôas coagiu o STF a não conceder o habeas-corpus a Lula; d) o miliciano alegando direito à liberdade de expressão e clamando pela volta do AI-5, o ato da Ditadura que a aboliu.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex–presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia