Alice Gonzaga, 84 anos, não para de falar quando o assunto é a memória do cinema brasileiro. Filha de Adhemar Gonzaga (1901-78), criador da produtora cinematográfica Cinédia em 1930 no Rio, Dona Alice, como é tratada, cresceu entre equipamentos de filmagem e arquivos – muitos arquivos, porque o pai era um pesquisador insaciável da sétima arte, que o levou a colecionar recortes, fotos e textos e a lançar quatro anos antes uma revista de cinéfilos, Cinearte.
Era destino de Alice virar filme, precisamente um documentário, caso de Desarquivando Alice Gonzaga – Betse de Paula (2017, Brasil, 88 minutos, livre) –, que o Cine Brasília põe amanhã (26) em cartaz em sessões às 16h e 18h até o dia 31. Os fãs de cinema terão a preciosa oportunidade de conversar com ela a partir das 19h30 no foyer do espaço.
“Sou a arquivista mais velha do Brasil”, costuma repetir em alusão ao fato de que já aos seis anos manuseava o material que hoje ocupa 134 arquivos de aço, com quatro gavetas cada, abarrotados do que para muitos é puro ouro em termos da história da produção cinematográfica no Brasil e no mundo. Estão guardados numa casa tombada, de 250 metros quadrados em dois pisos, no bairro da Glória, não muito distante do apartamento de Alice em Copacabana, no Rio de Janeiro.
“No Brasil ter uma empresa que vai fazer 90 anos é quase um demérito. Vivemos num país que não tem apreço pela história, diz Alice Gonzaga, arquivista e herdeira da Cinédia
Ainda que a empresa tenha deixado de produzir filmes na década de 50 e tenha se mantido com parcerias – como com a Globo, no aluguel de equipamentos, até a criação do Projac –, a Cinédia se mantém em atividade. “A empresa existe, pago os impostos, vivemos da venda de nossos arquivos”, justifica.
Além de 40 filmes, 38 dos quais restaurados para HD, que têm reencontrado o mercado de exibição no Canal Curtas e na plataforma Tamanduá, Alice dispõe de 250 mil documentos que valem algo que ela não sabe calcular. Sonha em manter o negócio na família, onde pelo menos uma das três filhas mostra interesse no assunto, mas admite que pode vender. “Talvez o Google”, deixe no ar.
Atrás da tecnologia
Diz que “vive no passado”, mas na realidade tem dois olhos fincados no que vem adiante. “Preciso de R$ 2 milhões para converter tudo para 4K”, estima, referindo-se à tecnologia 4K ou Ultra HD, o estado da arte em perfeição de imagem para aparelhos de televisão doméstica. Sabe também que o mercado para imagens em preto e branco (P&B) fecha portas para gigantes do entretenimento.
Sobre o documentário que entra em cartaz no Cine Brasília, diz que adorou, “mas quase deixei a Betse doida”. Ao abrir cada arquivo, jorrava uma cascata de informações, comentários, bastidores, anedotas sobre ícones como Grande Otelo, Carmen Miranda, Dalva de Oliveira e tantos protagonistas do Teatro de Revista e a Era de Ouro do rádio.
A diretora Betse de Paula confirma: “Alice sempre surpreende. Durante as filmagens, virava-se para onde a câmera não estava preparada, abria uma gaveta que não era a combinada, dizia algo que não fazia parte do roteiro. Foi desafiante correr atrás dela e documentar o grande desafio que se impôs de preservar a memória do cinema brasileiro”.
Pois é. Quem for ouvir Dona Alice falar não vai se arrepender.
Serviço
Bate-papo com Alice Gonzaga
Data: Sexta-feira, 26 de julho
Horário: 19h30
Local: Foyer do Cine Brasília
* Com informações da Secretaria de Cultura