Ex-sindicalista, ex-deputado distrital e ex-chefe da Casa Civil do então governador Agnelo Queiroz (PT), Paulo Tadeu preside o Tribunal de Contas do DF com a determinação de atrair a sociedade para acompanhar as atividades da Casa e ajudar na fiscalização dos gastos do dinheiro público. Nesta entrevista ao Brasília Capital, ele lamenta ver o Brasil com um presidente da República negaconista em plena pandemia, afirma que o Ibaneis Rocha cedeu às pressões de Jair Bolsonaro e de alguns segmentos do setor produtivo, mas que o chefe do Buriti está no caminho certo em defesa da vida. O conselheiro é contra as privatizações de empresas estatais, mas apoia as Parcerias Público Privadas propostas pelo GDF, exceto a do Metrô.
Como dar mais visibilidade às ações do Tribunal de Contas e fazer que a sociedade participe e usufrua mais desse serviço público? – A melhor maneira de sair desse isolamento é criando instrumentos de comunicação direta com a sociedade. A imprensa é amiga do Controle Externo, que é esta função tão importante de controlar os gastos e a eficiência das políticas públicas. Não existe maneira mais direta e correta de se fazer isso do que fazendo essa construção junto com a impressa, com a sociedade.
O que o TCDF tem feito para se aproximar do cidadão comum? – Nós temos vários fóruns importantes de controle social, como, por exemplo, os Conselhos de Educação, de Saúde ede cultura. Mas esses conselhos muitas vezes ficam isolados do ponto de vista de conhecimento, de ajuda. Eo Tribunal de Contas, a partir inclusive da construção como a que nós estamos desenvolvendo hoje, nesta entrevista, vai se aproximar da sociedade dessa forma, trazendo o controle social para dentro das atividades do Tribunal.
A visão de que o Tribunal de Contas atua apenas como órgão repressor corresponde à realidade ou o órgão também tem função educativa? – O trabalho do Tribunal não pode ser apenas de repressão, de punição. O Tribunal tem que ter a capacidade – e tem condições para isso, com sua boa estrutura de servidores e corpo técnico nos gabinetes – de fazer,concomitantemente, todas as suas análises, investigações, auditorias e os procedimentos para que não ocorra nenhum tipo de desvio de finalidade ou desvio de dinheiro público para depois ficar correndo atrás disso.
Um exemplo são os diretores de escolas que precisam administrar pequenos recursos públicos e, muitas vezes, se atrapalham na prestação de contas, acabando com o “nome sujo”… – Nós estamos propondo, a partir de uma ação doSindicato dos Professores, abrir as Escolas de Conta, para que elas possam atuar juntamente com esse segmento. O TCDF tem a Escola de Contas, cujo objetivo, além de informação e melhoria na formação dos nossos servidores, é também formar os gestores; ajudar a sociedade a entender como prestar conta, como fiscalizar uma conta.
Como isso se aplicaria, especificamente, aos diretores de escolas? – Nós vamos oferecer um curso para todos eles, para que possam saber como administrar essesrecursos e depois prestar contas, para que esses profissionais não ficarem respondendo às indagações do Controle Externo, que é a nossa função. É muito melhor que eles saibam como fazer, até para facilitar o trabalho do próprio Tribunal.
Estamos vivendo um momento depandemia. O Tribunal tem atuado preventivamente no controle do uso dos recursos extraordinários que têm sido destinados à Saúde? – Temos atuado firmemente nessa questão. A situação no Brasil é caótica, e no Distrito Federal também é muito complicada. Há necessidade de que o Estado atenda de maneira direta e objetiva as necessidades da população. Mas, infelizmente, existe muita confusão e desinformação. Para colaborar, nós lançamos um portal onde todas as ações do Executivo estão ao alcance da população no site do Tribunal e, a partir do site, ter acesso a todos os dados relacionados ao combate à pandemia. O Tribunal de Contas tem o dever constitucional de fazer o acompanhamento desses recursos, mas a sociedade tem também o direito de saber como faze-lo. Lançaremos no dia 25 de março um curso on-line sobre controle social, pela Escola de Contas do TCDF. Esse curso tem como objetivo preparar o cidadão de qualquer lugar do País para exercer a sua cidadania por meio desse controle social. Toda a sociedade está convidada a participar dessa atividade, que não só ajuda o controle dos gastos e políticas públicas, mas também com o próprio desenvolvimento social e econômico da nossa cidade e do nosso Brasil.
O senhor é o único conselheiro do TCDF com origem no PT. Qual o seu sentimento de ver o País governado por um presidente negacionista em plena pandemia? – Tenho orgulho da minha origem política. É evidente que eu não queria que nós tivéssemos uma visão tão negacionista, tão equivocada com a relação à saúde. Uma política de enfrentamento ideológico. A vida e a saúde não podem ser pautadas pela ideologia. Seja quem for, de direita, de centro ou esquerda. Infelizmente, nós temos um governo negacionista que vem criando uma política equivocada, porque a vida não se contrapõe àeconomia, e nem a economia pode se contrapor à vida. Na verdade, o que deveria ter acontecido, desde o primeiro momento, era umaconciliação entre a economia e o direito à vida. O que aconteceu no nosso país foi exatamente o inverso: foi uma visão liberal, implantada de maneira equivocada pelo Poder Executivo Federal, que gerou todo esse caos econômico e que tem gerado, inclusive, esse verdadeiro desastre com o advento da pandemia da covid-19. Um país que não investiu nem em vacina, um governo que combateu a vacina. Como brasileiro, jamais imaginei que um dia, em pleno século XXI, nós poderíamos estar regredindo à Idade Média, para ainda ter que defender a ciência, defender a saúde.
E nesta semana assumiu o quarto ministro da Saúde durante a pandemia… – É uma demonstração completa de desgoverno. Agora sai um general sem nenhuma expertise na saúde que só aumentou o desastre, e entra um médico. Eu espero que ele aja como um médico, que ele honre o seu juramento de Hipócrates, de defender a vida em primeiro lugar, independentemente da posição ideológica ou política do governo.
O senhor acha que o GDF vem conduzindo de forma adequada este tema? – Eu diria que o governador Ibaneis, no início dessa pandemia, tomou medidas bastante corajosas e saiu na vanguarda em defesa da vida. Depois, o que se percebeu foi uma grande pressão do Executivo Federal sobre o governo do Distrito Federal, que sofre de uma dependência financeira em relação à União, e também pressões de diversos setores da sociedade, no sentido de não adotar medidas mais duras com relação à pandemia. Então, ocorreramno DF dois momentos: no primeiro momento, o governador largou na frente em defesa da vida, e depois, pressionado pelo governo federal e por setores da sociedade, ele afrouxou as políticas em relação a pandemia, e agora o que se percebe é uma guinada do governo, mais uma vez, em defesa da vida. Até porque não cabe outra alternativa para o governador que não seja aumentar as restrições de circulação, para que possa diminuir os índices de contagio e consequentemente de pessoas necessitando de hospitais e leitos de UTI.
Ele abriu uma licitação para construir três hospitais de campanha, para ofertar mais 300 leitos de UTI… – Sim. O Tribunal de Contas está acompanhando, passo a passo, esses gastos. A gente não ficar naquela política de aguardar os acontecimentos para depois agir, vamos agir simultaneamente com as políticas que estão sendo desenvolvidas.
Este governo tem lançado muitas obras, várias PPPs (Parcerias Público-Privadas) e privatizações. Inclusive, vendeu a CEB, que é a sua empresa de origem. Como vê essas ações? – Sou radicalmente contrário à privatização das nossas empresas. Tenho dito e vou reafirmar que foi um erro privatizar a CEB. Mas a sociedade só vai sentir isso com o passar dos meses e dos anos. Do ponto de vista das obras que o Executivo está lançando, eu acho interessantes para melhorar a infraestutura da nossa cidade, de capacitar a cidade a ter uma mobilidade urbana melhor. Quanto às PPPs, existem seis em andamento neste momento. São parcerias que mudam a vida da cidade.
O senhor apoia todas elas? – Como cidadão do Distrito Federal e como presidente do Tribunal de Contas, vejo com muita simpatia esse conjunto de ações que o governo vem fazendo. Porém, há que se fiscalizar. Tem que acompanhar simultaneamente todas essas PPPs e essas obras, para que não ocorra desvio de finalidade e de dinheiro público. Com relação às PPPs que o governo está chamando, eu tenho uma dúvida muito grande em relação à do Metrô.
Por que? – Veja bem. Hoje, o GDF já subsidia a passagem do metrô e, mesmo passando para a iniciativa privada, vai continuar subsidiando. Então não tem sentido privatizar se o subsidio vai continuar. Agora, eu tenho simpatia pela PPP da Rodoviária. Acredito que a Rodoviária, entra governo e sai governo, não consegue ter a qualidade necessária para aqueles que usam o terminal no dia adia. Então a gente pode, com uma PPP, garantir a construção de estacionamentos, melhorar a qualidade do serviço oferecido à população que passa ali diariamente. Então eu acredito que pode ser uma boa iniciativa. Com as outras PPPs nós temos que ter uma certa cautela, um cuidado para que, de fato, venham a atender o interesse público, e não o interesse privado. Eu tenho simpatia então por todas elas, mas nós vamos acompanhar o passo-a-passo cada obra do governo.
Outro problema é que Brasília criou uma espécie de trauma com a iniciativa privada a partir de PPPs mal executadas, como as do Centro Administrativo, do Autódromo e do Kartódromo do Guará… – A PPP é uma modalidade nova no nosso país. De fato, ocorreram equívocos na elaboração e no encaminhamento dessas PPPs que você citou. Mas nós temos duas PPPs em execução no DF neste momento – a do Complexo Arena Plex, do estádio e do ginásio de esportes, e a do Centro de Convenções Ulysses Guimarães. São PPP’s que estão em curso, precisamos acompanhar (e estamos acompanhando) exatamente para dizer para a sociedade que essas foram bem sucedidas, porque atendem ao interesse público. PPP não pode servir apenas para o interesse privado, tem que servir, prioritariamente, para o interesse público. Essa é a finalidade de uma PPP. Quando o governo não tem recursos para fazer políticas públicas no sentido de melhorar alguns pontos e atividades da cidade, é importante equilibrar. Não pode ser PPP em que só o poder privado ganhe e o poder público fique a ver navios. A sociedade tem que ganhar com ela. Mas, como você disse, nós tivemos PPPs mal encaminhadas, que não tiveram sucesso, como a do Centro Administrativo, em Taguatinga, que hoje é alvo de discussão na Justiça etambém aqui no Tribunal de Contas. Nós precisamos desenrolar isso, porque, queira ou não, é uma atividade que vem sendo deixada de lado e configura mais prejuízo para a sociedade.