Júlio Miragaya (*)
Em 7 de setembro próximo, será comemorado o bicentenário da independência do Brasil. Muitos questionam se efetivamente o Brasil se tornou independente em 1822 ou apenas mudou de “tutor”, trocando Portugal pela Inglaterra. Ao abrir seus portos ao comércio internacional, em 1808, Portugal fixou a tarifa alfandegária em 24% para produtos importados, exceto os vindos de Portugal, fixada em 16%. Mas, curiosamente, para os oriundos da Inglaterra, uma tarifa ainda menor, de 15%.
No início do século XX, a dependência econômica passou da Inglaterra para os EUA. Atualmente, pode-se dizer que, mais do que de países, somos economicamente dependentes de um amplo espectro de corporações financeiras e industriais.
A “independência” do Brasil, comparativamente à de outros países da América, ocorreu, de certa forma, tardia e sem conflitos. Os Estados Unidos proclamaram sua independência da Inglaterra em 1776, só reconhecida em 1783, após 7 anos de guerra. O Haiti proclamou a sua em 1804, após 10 anos de guerra dos negros escravizados contra os colonizadores franceses.
E assim foi também com os demais países sul-americanos (Paraguai, em 1811; Argentina, em 1816; Chile, em 1818; Venezuela e Colômbia; em 1819; Equador, em 1822; Peru, em 1824; e Bolívia, em 1825), que passaram por guerras de libertação contra a Espanha, comandadas por líderes como Simon Bolívar, San Martín, José Sucre, Bernardo O’Higgins e Fulgêncio Yegros.
Nesses 200 anos, o Brasil experimentou uma expansão territorial (às expensas de vizinhos como o Paraguai, Bolívia, Argentina e Peru); um forte desenvolvimento populacional de 54 vezes (de 4 milhões para 216 milhões) e urbano (de 5% da população para 85%) e um notável desenvolvimento econômico, agrícola e industrial.
Nos tornamos uma das maiores economias do planeta, chegando a ser a 6ª em 2011, e hoje refluímos para a 12ª. Mas pouco avançamos, nesses dois séculos, em desenvolvimento social. Afinal, a escravidão perdurou por mais 66 anos após a independência; o baixo grau de escolaridade ainda marca nossa sociedade e nos tornamos uma das cinco sociedades mais desiguais do planeta.
O 7 de Setembro, assim como nossa bandeira e nosso hino, são símbolos nacionais pertencentes ao povo brasileiro que foram “sequestrados” por uma direita que sempre esteve de costas para a maioria do povo, para a classe trabalhadora, os negros e para os jovens das periferias. Uma burguesia que se diz patriota, exibe a bandeira verde-amarela, mas sempre venerou símbolos dos EUA e de países europeus, que é onde passam férias, para onde mandam seus filhos estudarem, compram suas mansões e depositam milhões de dólares e euros extraídos do suor e sangue dos brasileiros.
Uma direita que se diz cristã, mas defende o armamentismo, a tortura e desdenha da morte de pessoas por fome e doenças e projeta líderes religiosos endinheirados que exploram a fé do povo. Que prega a liberdade, mas a liberdade de promover a super exploração e a opressão do povo, nem que seja preciso recorrer à uma ditadura aberta, como ficou claro na recente manifestação de ricos empresários bolsonaristas, deixando claro o desprezo que têm pela democracia e pela soberania popular expressa pelo voto do povo.
100 anos – Neste artigo em que abordo o bicentenário da “independência”, quero tratar de um centenário muito particular, celebrado em 23 de agosto: há exatos 100 anos nascia meu pai, João Carmezim Miragaya. Órfão de mãe e pai aos 12 anos, não pôde sequer completar o antigo Primário (atual Fundamental I). Tornou-se padeiro e, junto com Dona Céia, com muito trabalho, sacrifício e amor, criou seis filhos e proporcionou estudo a todos nós. Pelo amor, dedicação e exemplo de conduta, lhes somos eternamente gratos.
Júlio Miragaya, doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia