A guerra Rússia x Ucrânia completa 3 anos no dia 24 de fevereiro. Após um rápido avanço russo no primeiro ano, as posições têm sido mantidas quase inalteradas, com avanços russos pontuais em determinadas regiões. Qual o cenário, transcorridos três anos da invasão russa?
Antes mesmo da invasão em 2022, a Rússia já havia anexado, em 2014, o oblast (estado) da Crimeia e a cidade/enclave de Sebastopol. Com 26.950 km², abrigavam 2,5 milhões de habitantes (70% de etnia russa e 97% falantes do idioma russo). O argumento russo foi de que era uma região da Rússia até 1954, quando foi “doada” por Krushev à Ucrânia, mas que, diante da política de hostilidades aos russos étnicos pelo governo ucraniano, foi reanexada.
Do mesmo modo, os oblasts de Luhansk e Donetsk, que formam a região do Donbass (53.200 km² e 7,3 milhões de habitantes) fizeram parte até 1921 da Nova Rússia, mas após a Revolução Soviética de 1917, os bolcheviques concederam o território à nova República Socialista da Ucrânia.
Trata-se de uma região industrial que até o colapso da URSS, em 1990, tinha metade da população de etnia russa e 83% falantes do idioma russo, mas que desde então vinham sendo ostensivamente reprimidos pelos sucessivos governos ucranianos.
A reação foi a organização dos russos étnicos em milícias armadas que antes mesmo da invasão de 2022 já controlavam metade dos dois oblasts. Em fevereiro de 2022, as tropas do exército de Putin rapidamente avançaram e hoje ocupam 100% de Luhansk e 75% de Donetsk, num total de 46.600 km².
Já a antiga região de Táurida (oblasts de Zaporizhzia e Kherson), que também integrava a Nova Rússia até 1921, tinha em 1990 um menor percentual de russos étnicos (30%), mas cerca de 55% falantes do idioma russo. Com 55.600 km² e 3 milhões de habitantes, é uma região de ligação entre o Donbass e a Crimeia, abrangendo o litoral do Mar de Azov, o que motivou o exército russo a invadi-la em 2022. Atualmente a Rússia ocupa 39.000 km² (70%) dos dois oblasts.
Em outras regiões havia (e há) expressivas populações de russos étnicos, como no oblast de Karkhov, onde uma pequena área de 1.500 km² foi ocupada por tropas russas e nos oblasts de Dnipropetrovsky, Odessa e Mykolaiv, onde não houve ocupação por tropas russas. Em síntese, no 3º aniversário da guerra, a Rússia ocupa cerca de 114 mil km² de território ucraniano (19% do total de 603 mil km²), habitado por 12 milhões de russos e ucranianos (25% do total).
Esse é o cenário no momento em que se dá a posse de Trump. E o que ele fez? Ignorando os aliados europeus, telefonou para Putin e anunciou uma mudança no diálogo russo-americano, rompendo com a política de Biden de sustentar militar e financeiramente a Ucrânia.
Refutando a provocação do Ocidente, Trump disse concordar com a reivindicação de Moscou de que a Ucrânia não ingresse na OTAN e admitiu que não há como retornar à fronteira russo/ucraniana de antes da invasão russa: “É improvável, perderam muita terra, só uma parte pode ser recuperada”.
Trump exaltou a cooperação EUA-URSS na Segunda Guerra Mundial; conseguiu a libertação pelos russos de dois prisioneiros norte-americanos e marcou um encontro com Putin na Arábia Saudita, quando conversarão sobre o Irã, a situação no Oriente Médio e a relação dólar/BRICS.
Tamanha benevolência de Trump com Putin certamente conta com uma contrapartida não revelada. Pode ser uma ação comum no Oriente Médio para “disciplinar” o Irã; algum afastamento da Rússia da esfera de influência da China ou sua complacência ante uma possível anexação da Groenlândia como protetorado norte-americano. A conferir.
E quanto à Ucrânia? Após Trump declarar que “temos todo esse dinheiro lá e eu o quero de volta. Quero os US$ 500 bilhões (enviados por Biden aos ucranianos em material bélico e ajuda financeira) em terras raras e eles concordaram”, disse que informou Zelenski de sua conversa com Putin e anunciou que importantes contratos seriam dados pela Ucrânia aos EUA na exploração de recursos naturais.
E o que disse Zelenski? Fazendo ouvidos moucos, disse que está pronto para negociar com os russos a troca de territórios, ou seja, os 112 mil km² de território ucraniano ocupados pelos russos pelos 500 km² do oblast russo de Kursk ocupados pelos ucranianos.
É como o Vasco sugerir ao Real Madri a troca de Cocão por Mbappé. Estrela do grupo satírico “Servo do Povo” antes de se eleger presidente em 2019, Zelenski mostra que uma vez comediante, sempre comediante.