Paixão para poucos, frustração de muitos. Um mero acento – conhecido como grave – acima de uma letra é capaz de atormentar a vida de inúmeros usuários da língua portuguesa. A função dele é marcar a ocorrência de um fenômeno, conhecido como crase (fusão de fonemas vocálicos idênticos, segundo a teoria literária adotada para a análise de sílabas poéticas). Importamos essa nomenclatura para a teoria gramatical, a fim de indicar a fusão de vogais A. Um dos A, necessariamente, precisa ser uma preposição. O outro A pode ser fornecido por artigos (a, as) ou pronomes (aquele(s), aquela(s), aquilo, a qual, as quais, a, as).
Como sempre digo aos meus alunos, crase não é memorização, mas questão de bom senso! Vejamos alguns exemplos:
- Ele sente falta de alguma companhia.
- * Ele sente falta da alguma companhia.
Não tenho dúvidas de que você achou a opção 1 mais adequada. Sabe por quê? Quem sente falta, sente falta “de” alguém. Mas “alguma companhia” não aceita artigo (pela presença do pronome indefinido “alguma”)! Por isso a fusão “da” (preposição “de”+artigo “a”) não ficou adequada. Com isso, vejamos
- Ele se referiu a alguma companhia.
- * Ele se referiu à alguma companhia.
“Alguma companhia” ainda rejeita o artigo, independentemente da oração. Quem se refere, se refere “a” alguém. É apenas necessário o emprego da preposição! Logo, a opção 3 está correta.
Outra comparação:
- * Ele sente falta de tia do interior.
- Ele sente falta da tia do interior.
Mais uma vez, tenho certeza de que você achou a opção 6 mais adequada. A preposição ainda é a mesma, mas é perceptível que “tia do interior” exige a presença de um artigo “a” antes do substantivo feminino “tia”. Assim sendo, no par
- * Ele se referiu a tia do interior.
- Ele se referiu à tia do interior.
A forma correta é a 8, pois sabemos agora que “tia do interior” obriga a ocorrência do artigo, assim como “referir-se” continua exigindo a preposição.
Esses foram pequenos exemplos para te explicar o porquê da existência da crase. Um dos maiores desejos para a educação do futuro é que os alunos possam ser investigadores, cientistas dos fenômenos ligados a cada componente curricular. Isso não é diferente em língua portuguesa. Somos laboratórios vivos, e cabe a cada um de nós a autoinvestigação. O que acabei de apresentar não resolve tudo, mas pode te iniciar no caminho da ciência linguística!
Agora, é hora de explorar o seu bom senso!