Carlos Fernando (*)
Para esfriar a cabeça de tantos problemas na saúde do Distrito Federal, resolvi fazer uma leitura aleatória de notícias na internet. Me interessei pela notícia da escassez de figurinhas do álbum da Copa do Mundo. Mal abro o link, dou de cara com uma foto de uma placa em uma banca de revistas em Buenos Aires, a capital argentina. Nela, se avisava da falta dos cromos, com a sugestão de que o colecionador tomasse um ansiolítico, para conter a ansiedade da espera – sou médico há mais de 30 anos e nunca tinha visto uma prescrição de medicamento feita assim.
Eu, que estava procurando uma leitura leve para tentar encontrar esse efeito de suprimir a ansiedade, já fiquei ressabiado. Dou uma rodada pelos títulos das matérias naquele e em outros portais e já fiquei eu mesmo considerando aquele ansiolítico. É muita notícia ruim, muita gente descompensada e cometendo absurdos. Muita violência!
Um, porque não gostou do barulho, deu uma facada em outro. Um outro agrediu uma família inteira por causa de um pula-pula. Outros ameaçaram dar tiro contra gente fazendo campanha de partidos oponentes. E eu me pergunto se essa escalada de violência e atos descabidos decorre de um aumento de manifestações de transtornos psiquiátricos provocados pela covid-19.
Diversos estudos mostraram que mesmo casos leves da doença podem ter desencadeado quadros de ansiedade, depressão, estresse pós-traumático, perdas cognitivas relacionadas à memória e à atenção. O isolamento prolongado pode ter gerado quadros de dificuldade no convívio social ao retornarmos à atividade plena.
Agressividade exacerbada, no entanto, não está elencada entre os quadros clínicos mencionados nos estudos de reflexos psiquiátricos pós-covid. À parte dos surtos psicóticos, não podemos normalizar comportamentos explosivos e voláteis ou admitir que as relações humanas passem a se dar com base em ameaças e imposições de opiniões e vontades. Não tem o que justifique esse tipo de comportamento e não dá para jogar na conta de necessidade de medicação ou distúrbio psiquiátrico não diagnosticado.
Por mais que eu desaprove determinados tipos de comportamento, por mais que algumas atitudes dos meus vizinhos me sejam incômodas e por mais que eu discorde das suas ideias, há um limite de civilidade no nosso convívio – eu vou te respeitar e espero receber o mesmo tratamento da sua parte. Isso faz parte do que se chama viver em sociedade.
A gente não precisa se odiar, sair no tapa nem se matar por causa de nada disso. Não podemos banalizar a falta de cordialidade, tampouco desprezar os limites do respeito na convivência social. Da mesma forma, não podemos normalizar o uso de medicação psiquiátrica ao ponto de parecer natural sugerir que crianças façam uso de ansiolítico por causa da falta de figurinhas da Copa.
Vamos lá, gente! Vamos voltar a valorizar o bom–senso, vamos respirar fundo, botar os pés no chão e procurar ver uns nos outros o que há de melhor e não o que desgostamos. Vamos cultivar a saúde nos nossos relacionamentos e botar na cabeça que o mundo não vai se acabar se uma ou outra coisa não sair como gostaríamos que fosse.
Lidar com frustrações é parte do amadurecimento humano.
(*) Vice-presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal