Na semana em que o presidente da República passou por duas intervenções para tratar um sangramento na cabeça (leia Pelaí, páginas 2 e 3), o governo federal alterou, na terça-feira (10), as regras de liberação de emendas parlamentares.
Essas mudanças, que trazem mais transparência, rastreabilidade e controle público, tendem a ser a “aspirina” necessária para aliviar uma das maiores dores de cabeça de Lula: garantir o apoio do Congresso Nacional em temas de interesse do Planalto.
As emendas parlamentares, verbas destinadas por deputados e senadores para atender demandas específicas de suas bases eleitorais, ganharam novo formato de distribuição. Antes, a maior parte delas era considerada impositiva, ou seja, o Executivo era obrigado a executá-las.
Agora, com as novas regras, o gestor do Orçamento tem maior controle sobre os recursos discricionários, que são destinados, por exemplo, para construção de escolas e hospitais, obras de infraestrutura e compra de equipamentos para serviços públicos.
Equilíbrio – Além de mais flexibilidade para negociar o apoio parlamentar, o volume de dinheiro destinado às emendas foi reduzido, especialmente em relação às emendas de relator — conhecidas popularmente como “orçamento secreto”. O movimento visa equilibrar o uso de verbas públicas com a necessidade de ajustar as contas do País, ponto central do pacote fiscal de Lula.
Já as emendas de bancada estadual só poderão destinar recursos a projetos e ações estruturantes para a Unidade da Federação representada pelo grupo de parlamentares, sendo proibida a indicação para atender demandas individuais. Cada bancada pode aprovar até oito emendas.
Caminho do dinheiro
Pela lei sancionada em 26 de novembro, somente poderão apresentar emendas as comissões permanentes da Câmara, do Senado e do Congresso. É preciso identificar de forma precisa o objeto e justificá-lo com detalhes, desde os critérios técnicos até o alinhamento com as políticas nacionais.
No caso das emendas individuais, o processo passa a ter normas mais rígidas de execução, principalmente em situações de calamidade ou emergência. O autor deve informar o objeto e o valor da transferência no momento da indicação, ao mesmo em que o beneficiário deverá apontar previamente, via sistema, a agência bancária e a conta-corrente em que serão depositados os recursos.
Nesta categoria, governos estaduais e prefeituras devem comunicar ao Legislativo, ao TCU e aos tribunais de contas estaduais ou municipais, em até 30 dias, o valor do recurso recebido, o plano de trabalho e o cronograma de execução.
O texto em vigor também resolve o impasse envolvendo as emendas impositivas, que tiveram a liberação suspensa pelo ministro Flávio Dino e referendada pelos demais magistrados do STF, e atende às exigências da Corte, ao estabelecer um sistema de rastreio, transparência e controle social. Assim como define áreas prioritárias para as emendas, entre elas saneamento, saúde, transporte e segurança.
Com maior controle sobre a liberação das emendas, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, consegue amarrar o apoio dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para votar a criação de novas regras para limitar o endividamento público e ampliar a arrecadação federal, temas que enfrentam resistência nas Casas.
Para o Planalto, a possibilidade de usar as emendas como moeda de troca é essencial em um cenário de maioria com viés à direita e um governo que precisa consolidar alianças. Duas figuras da base aliada de Lula têm papel decisivo nestas articulações: o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), e o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE).
Desafios
Em entrevista à CNN, na quarta (11), Rodrigues afirmou que a previsão é liberar cerca de R$ 14 bilhões em emendas. A corrida agora, segundo ele, é contra o tempo. “Temos um desafio, que é a liberação de tudo até o dia 31 de dezembro, pois só podem ser gastos até o fim do exercício fiscal deste ano”.
Enquanto isso, Guimarães negocia a votação do pacote fiscal proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o que classificou como “desafio final” de 2024. “Somos 100% governo Lula e vamos discutir e buscar o melhor caminho para aprovar as medidas, com pequenas mudanças, como sempre fizemos”, garantiu na segunda (9). O pacote, que inclui medidas como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e a taxação de altos salários, não convence a todos.
FCDF em debate
Outro ponto de divergência é a alteração do cálculo de reajuste do Fundo Constitucional do DF (FCDF), que coloca em risco a prestação de serviços públicos de saúde, educação e segurança aos brasilienses.
Diante de vários impasses em torno da matéria, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, senador Confúcio Moura (MDB-RO), declarou, no dia 4, que “o humor do Congresso não está bom”.
A missão da base governista, portanto, é impedir que o alívio da “dor de cabeça” seja temporário. Até porque se o pacote fiscal for aprovado, o obstáculo seguinte será cortar privilégios e distorções sem que o “corpo” padeça novamente.
Saiba +
A aposta do governo Lula em utilizar as emendas parlamentares como ferramenta de negociação evidencia a importância de um orçamento mais controlado e transparente. O sucesso da estratégia, porém, dependerá do engajamento dos parlamentares e da capacidade do Executivo de demonstrar que o pacote fiscal trará benefícios concretos à população. Se bem-sucedido, o plano poderá ser lembrado como a virada de chave para melhorar a gestão econômica do Brasil. Do contrário, pode se tornar mais uma “queimação” indigesta com o Legislativo.