Já se passaram mais de três anos, mas a novela do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) volta ao cartaz. Desta vez, estrelando Rodrigo Rollemberg e Thiago de Andrade nos papéis anteriormente desempenhados por Agnelo Queiroz e Geraldo Magela.
O PPCUB, para quem não se lembra, deve ser aprovado em forma de Lei Complementar e tem como missão preservar a proposta urbanística de Lúcio Costa para Brasília. Na versão petista, a leitura feita pela sociedade civil era exatamente o inverso. O texto previa o loteamento da área central do Eixo Monumental entre o Memorial JK e a EPIA, criação de lote de 85.000 m² na quadra 901 Norte, edifícios residenciais nas quadras 900, ao longo das Avenidas W5.
Demolição
E muito mais: que os hotéis de três andares, existentes nos setores Hoteleiros Sul e Norte, pudessem ser demolidos para dar lugar a prédios de até 10 pavimentos; e que diversos clubes na orla do Lago se tornassem hotéis, na prática transformando-os em condomínios residenciais. No Setor de Garagens Oficiais (SGO), ao lado do Palácio do Buriti, previa-se a revisão do parcelamento do solo e a privatização de, praticamente, duas centenas de lotes destinados a escolas públicas nas superquadras e entrequadras, dentre outras medidas.
A versão Rollemberg não é detalhadamente conhecida até agora, pois “apenas a parte conceitual do PPCUB (princípios, objetivos, diretrizes) foi discutida com a sociedade ao longo de 2016”, informa a arquiteta Vera Ramos, presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, IHG-DF
Agressão ao tombamento
Uma moção subscrita por seis entidades tradicionalmente defensoras da preservação de Brasília e de sua condição de Patrimônio Histórico da Humanidade questiona a dualidade das ações do GDF. “Se, de um lado, o GDF se propõe a elaborar um novo PPCUB, fundamentado na preservação e não na alteração do Conjunto Urbanístico de Brasília, de outro, age de forma conflitante com essa pretendida postura, na medida em que, paralelamente, implementa, sem o devido critério, projetos e intervenções que impactam diretamente a área tombada. Destacamos a nova regulamentação dos puxadinhos, projeto Orla Livre e intervenções viárias na ponta da Asa Norte sem a devida compatibilização com o tombamento, Cidade Aeroportuária e muitas Parcerias Público-Privadas (PPP), como as que tratam do Parque da Cidade, Autódromo, Centro de Convenções e do projeto da Via Interbairros”, está escrito na moção.
Normas conflitantes
As entidades estão igualmente preocupadas com a Portaria nº 166/2016 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Ela “introduz alterações nocivas e conflitantes” com outras legislações, em especial o Decreto 10.829/1987, que disciplina a preservação da concepção urbanística de Brasília. As entidades, inclusive, já acionaram o Ministério Público na expectativa de ver a Justiça revogar a portaria.
IHG-DF, Frente Comunitária do Sítio Histórico de Brasília e do DF, Urbanistas Por Brasília, Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, e Conselhos Comunitários da Asa Sul e Asa Norte não concordam em trabalhar a partir de um documento fundamentado no conceito de alterar, modificar, afrontar o conjunto urbanístico. Assim, “não cabe revisar, mas elaborar novo PPCUB”, fundamentado em conceitos de preservação e resgate dos aspectos essenciais do Conjunto Urbanístico de Brasília.”
Recomendam que a legislação viabilize o resgate da função do centro urbano da cidade conforme o plano de Lúcio Costa, por meio da integração, qualificação e valorização da área central do Plano Piloto. Para elas, as áreas livres e áreas verdes devem ser preservadas, pois não são áreas ociosas, como visualiza a proposta do GDF. Elas foram assim previstas para diferenciar a qualidade de vida de Brasília.
Flexibilização
O GDF propõe a flexibilizaçãoda setorização prevista por Lúcio Costa, de forma genérica e omite restrições estabelecidas pela legislação vigente. As entidades querem o resgate do documento Brasília Revisitada. Acreditam que o termo “flexibilização”, sem especificar do que se trata, dá margens a várias interpretações.
Embate com a base
Até agora, esse foi só o embate conceitual. As questões deverão esquentar quando e se o GDF vier a propor o que o mercado imobiliário aguarda. Medidas como a destinação da Quadra 901 da Asa Norte, o uso dos lotes de clubes do Lago Paranoá para outros fins, as quadras 500 do Sudoeste, dentre outros.
Resta saber se a atual administração irá repetir as propostas petistas que ajudaram a não reeleger Agnelo. Se isto vier a acontecer, Rollemberg contrariará o que foi a sua principal base eleitoral, em 2014, o Plano Piloto. Na Asa Sul, recebeu 77,6% dos votos e, na Norte, 53,4%.