Júlio Miragaya (*)
Dois estudos recém-divulgados revelam que, apesar do combate à pobreza, à miséria e à fome ter avançado muito no Brasil nos últimos 20 anos, a concentração de renda permanece sendo um dos grandes empecilhos a uma maior expansão da economia brasileira, além, é claro, de ser um absurdo exemplo de injustiça social.
O recente relatório anual da Oxfam Brasil mostra que o 1% mais rico da população, segundo dados da PNAD/IBGE, possui renda média mensal 36 vezes maior que a renda média mensal da metade da população que está na base da pirâmide, distância que provavelmente é muito maior. Afinal, a pesquisa PNAD é declaratória, e, nesses casos, os ricos declaram rendimento muito abaixo do que efetivamente amealham.
Mais estarrecedor é o dado sobre distribuição da riqueza, do patrimônio. O 1% mais rico (cerca de 2 milhões do total de 213 milhões de brasileiros) se apropria de nada menos que 63% da riqueza gerada no País, enquanto a metade mais pobre (106 milhões) possui pífios 2% dessa riqueza. E dento do seleto grupo do 1%, o subgrupo 0,01% (20 mil pessoas) é dono de 27% da riqueza nacional.
A desigualdade na propriedade se dá nos diversos setores da economia. No setor agrário, por exemplo, o 1% dos grandes proprietários rurais (latifundiários) possui 45% de toda a área agrícola do País, enquanto a grande maioria da população rural possui propriedades diminutas ou se encontra na condição de sem-terra.
Já o estudo “Concentração de renda no Brasil: o que os dados do IRPF revelam?”, elaborado pelos economistas Sergio Gobetti, Priscila Kaiser Monteiro e Frederico Dutra, mostra a evolução da renda no País de 2007 a 2024. Segundo dados da Receita Federal, os 160 milhões de brasileiros adultos tiveram, em 2017, rendimento médio mensal de R$ 3.600, tendo o rendimento crescido 1,4% ao ano, em termos reais, de 2013 a 2017.
Em contraste, se considerarmos o topo da pirâmide social, o 1% mais rico (1,6 milhão de pessoas), o rendimento médio mensal salta para R$ 104.000, tendo crescido 4,4% ao ano no mesmo período. E se o extrato for o 0,1% mais rico, o milésimo muito rico da população adulta brasileira (160 mil pessoas), o rendimento médio mensal alcança R$ 516.000, tendo crescido incríveis 6,9% ao ano de 2013 a 2017.
Talvez a maior responsável para tão escandalosa concentração de renda seja a estrutura tributária brasileira, onde prevalece a tributação indireta, que incide sobre o consumo e penaliza principalmente a classe trabalhadora, enquanto a tributação sobre a renda e a riqueza é secundária.
Os lucros auferidos pelas empresas, distribuídos às pessoas físicas, que somou R$ 1 trilhão em 2024, tem alíquota zero. E como 87% do ganho de participação do 1% mais rico veio desse tipo de rendimento, chega-se a uma alíquota efetiva inferior a 5% dos rendimentos para os milionários. Ademais, a maior parte de um outro R$ 1 trilhão referente aos gastos com juros da dívida pública vai parar nos bolsos desse 1%.
Por essas e outras o Brasil aparece, segundo o banco suíço UBS, como o país mais desigual do mundo entre 56 economias desenvolvidas e emergentes, e com o maior número de milionários da América Latina: nada menos que 433 mil, seguido pelos 399 mil milionários mexicanos.
Em suma, o Brasil pode até ter avançado e pode avançar mais na redução da pobreza, da miséria e da fome; pode até eliminar a fome num futuro não muito distante, mas, para reduzir a vergonhosa concentração da renda, terá que efetivamente fazer os mais ricos pagarem impostos de verdade, eliminando todos os artifícios legislativos a que a burguesia recorre para fugir dos tributos.
O País não pode se limitar a esse tímido aumento da tributação dos que ganham acima de R$ 50.000 mensais estabelecido para compensar a isenção no IR para os que têm rendimento mensal de até R$ 5.000, tão tímido que teve unanimidade até no PL e nos partidos do Centrão.
Sem tributar efetivamente, não só a turma BBB (Banqueiros, Bets e Bilionários), mas também a turma do “ogronegócio”, os rentistas, os grandes industriais etc, permaneceremos sendo um país deploravelmente desigual.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan (atual IPEDF) e do Conselho Federal de Economia