Júlio Miragaya (*)
O Império do Norte declarou guerra ao BRICS. Trata-se de uma guerra comercial que visa fragilizar as economias dos países integrantes do bloco e paralisar sua ascensão. O imperialismo norte-americano mira em especial alguns países, principalmente a China, seu membro mais forte, mas também Rússia, Irã e Brasil. O surpreendente é que resolveu voltar suas baterias para a Índia, governada pela direita conservadora e bem relacionado com os EUA.
Trump aplicou um tarifaço de 50% aos produtos indianos simplesmente porque o país tem importado grandes volumes de petróleo russo, aproveitando o desconto de 20% praticado pela Rússia para fugir das sanções aplicadas pelas potências ocidentais. E a Índia respondeu como país soberano, ao contrário da vergonhosa submissão da decadente União Europeia à vontade do truculento “ditador” norte-americano.
Tendo como motivação principal atingir o BRICS, o resultado prático das ações de Trump tem sido fortalecer o bloco. A Índia não só vai manter as importações de petróleo russo como deverá intensificar o comércio com a China, já sua maior parceira comercial e com a qual tem enorme déficit. Em 2024 os chineses exportaram US$ 120,5 bilhões para a Índia, especialmente máquinas e equipamentos elétricos e mecânicos (US$ 63 bilhões) e insumos químicos (US$ 18 bilhões), vitais para o forte incremento industrial indiano nos últimos anos.
Como as exportações indianas para a China foram de apenas US$ 18 bilhões em 2024 e considerando o enorme mercado chinês, há um grande espaço para a China substituir os EUA como maior importador da Índia. Para tanto, ajudaria a superação dos pequenos litígios territoriais entre os dois países em Arunachal Pradesh e Aksai Chin. Diferenças territoriais mais graves a China teve com a Rússia, quando perdeu para a Rússia Imperial 3,1 milhões de Km² – os territórios da atual República da Mongólia, a Manchúria Exterior e boa parte do Turquestão chinês – e hoje ambos possuem forte aliança estratégica.
Aliás, a aproximação entre China, Rússia e Índia tem o poder de, pela primeira vez em dois séculos, desafiar a hegemonia das potências ocidentais. As três potências nucleares ocupam quase ¼ da superfície terrestre, perto de 40% da população mundial, mais de ¼ do PIB/PPC global e estão articulados não somente no BRICS, mas também na Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), que engloba outros 6 países asiáticos (inclusive Paquistão e Irã) e 11 parceiros do continente (destaques para Turquia e Arábia Saudita). Na virada de agosto para setembro, haverá em Nanjing reunião da OCX, que certamente terá como ponto central de discussão a resposta ao tarifaço de Trump.
A agressividade imperialista vai de vento em popa, e não se limita ao tarifaço. Compreende o fortalecimento militar das potências ocidentais, com Trump obrigando os países europeus a turbinarem seus orçamentos militares no âmbito da OTAN; a sustentação dada ao massacre perpetrado por Israel em Gaza e os bombardeios ao Irã. Dessa forma, atira para todo lado. Até o Canadá, seu aliado histórico e um dos chamados Five Eyes (junto com Grã-Bretanha, Austrália, Nova Zelândia e o próprio EUA), se vê atacado e, em resposta, chega a cogitar a possibilidade de ingressar no BRICS.
Encabeçando a política agressiva dos EUA estão o capital financeiro (defesa do dólar), o complexo industrial-militar, as grandes corporações do setor de energia e as Big Techs. Aliás, Trump não se fez de rogado ao defendê-las contra as restrições impostas pela legislação brasileira a essas empresas.
Na verdade, a defesa da liberdade de ação para o clã Bolsonaro e os golpistas de 8 de janeiro de 2023 é mero pretexto utilizado por Trump para preservar os interesses das Big Techs no Brasil. Ademais, trabalha para derrubar ou derrotar o governo Lula em 2026 e instalar um governo submisso aos interesses dos EUA.
Em pouco mais de meio ano desse segundo mandato de Trump, a facção mais agressiva do imperialismo norte-americano está indo para uma espécie de tudo ou nada, com as frações minoritárias do capital estadunidense não tendo forças para se opor a tal trajetória. Significa que estão reservados pelo menos mais três anos de crises e agressões para a humanidade.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan (atual IPEDF) e do Conselho Federal de Economia