Júlio Miragaya (*)
Imagine um cidadão que possui 90 fuzis em casa, entrar na casa do vizinho e o fuzilar, descontente por este ter comprado seu primeiro fuzil. Foi o que fez Israel, detentor de 90 ogivas nucleares, ao bombardear o Irã, que busca ter sua primeira ogiva. Uma arma nuclear é desejada por um país para dissuadir um país inimigo de lançar mão de tal armamento. Assim o fez a antiga União Soviética, que produziu sua primeira bomba atômica em 1949, quatro anos após sua criação pelos EUA, o primeiro país a possuí-la e o único a fazer uso de tão devastadora arma.
Sentindo-se amedrontadas por uma suposta nova ameaça vinda do Leste (URSS), a Grã-Bretanha e a França ingressaram no seleto clube nuclear, respectivamente em 1952 e 1960. A China, que enfrentou uma guerra contra os EUA na península coreana em 1950/53, tratou de desenvolver sua arma atômica em 1964. Já a Índia, com conflitos fronteiriços com a China em duas oportunidades (1962 e 2020), buscou também seu poder de dissuasão e fez seu primeiro teste nuclear em 1974. Ato contínuo, o Paquistão, que guerreou contra a Índia em quatro ocasiões (1947/48, 1965, 1971 e 1999), ingressou no “clube” em 1998. E seu mais novo membro, o oitavo, foi a Coreia do Norte, que teve sua primeira ogiva em 2006.
Mas tão exclusivo clube tem um membro secreto, que não admite que tem e, tampouco, diz que não tem armas nucleares, mas que todos sabem que tem, inclusive o tamanho desse arsenal, estimado em 90 ogivas. Trata-se de Israel, que as tem provavelmente desde 1966. Israel teme tanto um ataque nuclear que formulou a “Opção Sansão”, uma diretiva militar estratégica que prevê o uso do arsenal militar como último recurso em caso de uma derrota militar em guerra convencional, como forma de garantir a sobrevivência do Estado de Israel.
Todos sabem que o Oriente Médio é um “barril de pólvora”, vive uma tensão permanente sustentada pela política belicista do imperialismo norte-americano, que tem em Israel seu principal instrumento de provocação na região. Num quadro em que Egito e Arábia Saudita, as duas principais nações árabes e potências militares regionais são verdadeiros fantoches nas mãos dos EUA e a Turquia “lava suas mãos”, Israel se vê à vontade para atuar sem qualquer objeção. Assim o faz não só na Faixa de Gaza, onde perpetra um covarde massacre que já matou ou mutilou mais de 100 mil palestinos (a maioria crianças, mulheres e idosos), como ataca sem qualquer pudor na Cisjordânia, Líbano, Síria, Iraque e Iêmen.
Seu grande opositor na região é o Irã, detentor de poderio militar convencional que faz frente ao poderio de Israel, e que busca desenvolver uma arma nuclear que tenha a capacidade de limitar a ação militar israelense na região. Israel argumenta que se trata da busca de um arsenal para riscá-lo do mapa, mas isso seria um ato suicida iraniano, dado o amplamente superior poderio nuclear israelense.
Meu filho João, historiador especialista em Oriente Médio, há 13 anos morando em Israel, havia me adiantado há duas semanas que dois partidos religiosos de extrema-direita da coalisão de Netanyahu estavam saindo do governo, o que o faria perder a maioria no parlamento e o obrigaria a convocar eleições, na qual sua baixa popularidade sucederia numa derrota certa, restando a ele enfrentar diversas ações por corrupção, abuso de poder e crimes de guerra, o que resultaria em sua inevitável prisão.
Mas Netanyahu sabe que nada melhor que um conflito militar para galvanizar apoio popular. Sob o pretexto de ameaça nuclear iraniana, Israel desferiu, na madrugada de 13 de junho, com a anuência dos EUA, um devastador ataque ao Irã, matando cerca de 80 pessoas incluindo 20 militares de alta patente e cientistas nucleares, e ferindo mais de trezentas, as usuais vítimas civis de “bombas perdidas”.
No conflito com Israel, de pouco vale o Irã ter uma infantaria mais numerosa (600 mil contra 170 mil), maior quantidade de tanques (1.500 a 400) e de veículos blindados (1.300 a 800), pois suas tropas e tanques precisariam atravessar os territórios do Iraque e Síria ou Jordânia, quando seriam fatalmente aniquilados pela aviação israelense. O mesmo raciocínio vale para a maior frota naval iraniana (220 a 60), visto que ela seria destroçada pela aviação israelense no Mar Vermelho ou mesmo no Golfo Pérsico.
Israel possui uma poderosa força aérea, composta por 340 caças, mais modernos e com maior capacidade de destruição que os 300 caças iranianos. As únicas vantagens iranianas seriam ataques cibernéticos e o número superior de mísseis balísticos (cerca de 3.000) e de drones (muitos milhares), mas Israel dispõe de uma das melhores defesas antiaéreas do planeta (Domo de Ferro, Viga de Ferro, Arrow e Sistema Meta), o que o Irã não possui, o que o torna muito vulnerável aos ataques aéreos e mísseis israelenses.
Mas, se as forças armadas de Israel estão aparentemente aptas a proteger seus 10 milhões de habitantes (sendo 7,5 milhões judeus), o mesmo não se pode dizer de outros 9 milhões de judeus distribuídos em inúmeras comunidades ao redor do mundo. São centenas de embaixadas e consulados e milhares de sinagogas, hospitais, clubes, institutos e escolas judaicas, onde nem mesmo o Mossad seria capaz de impedir ataques terroristas por parte de agentes iranianos ou islâmicos sedentos por vingança. No entanto, para Netanyahu, isso pouco importa. Seria o preço a ser pago para garantir sua sobrevivência política.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan (atual IPEDF) e do Conselho Federal de Economia