Neste 9 de maio, o planeta comemora 80 anos do fim da 2ª Guerra Mundial no continente europeu, a mais sangrenta e mortal da história da humanidade. A 2ª Guerra, em seus seis anos (setembro de 1939 a setembro de 1945), ceifou a vida de 74,7 milhões de seres humanos, sendo 28,9 milhões de militares e 45,8 milhões de civis. Em solo europeu e africano, foram 47,8 milhões de mortos (22 milhões de militares e 25,8 milhões de civis). Nos combates e massacres de civis na Ásia/Pacífico, foram 26,9 milhões de mortos, sendo 6,9 milhões de militares e 20 milhões de civis.
Desde o fim da guerra na Europa, há a controvérsia de qual país foi o principal responsável por derrotar o nazifascismo: os Estados Unidos e seus aliados ocidentais (Grã-Bretanha, Canadá e Austrália) ou a União Soviética? Os combates contra a Alemanha nazista no teatro de guerra da Europa e África Setentrional ceifaram a vida de 246 mil norte-americanos, 374 mil britânicos (incluindo 72 mil civis), 42 mil canadenses e 22 mil australianos, num total de 684 mil mortos dos 4 países ocidentais que lideraram a luta contra a Alemanha nazista.
Ocorre que dos 47,8 milhões de mortos na Europa, nada menos que 28,5 milhões (59,6 %) foram soviéticos – isso nos 46 meses de junho de 1941, quando foi invadida pela Wehrmacht, a abril de 1945, quando conquistou Berlim – sendo 14,5 milhões de militares em combate e 14 milhões de civis massacrados, notadamente pelos Einsatzgruppen da SchutzStaffel (SS).
URSS x NAZISTAS – Os dados revelam que o total de norte-americanos mortos em solo europeu foi metade do número de soviéticos mortos num único mês. Ou seja, em um mês morriam em solo europeu duas vezes mais soviéticos do que os norte-americanos mortos durante todo o conflito. E se considerarmos os 4 países ocidentais, o total de mortos em solo europeu foi equivalente ao número de soviéticos mortos num único mês. Em outras palavras, em 30 dias morriam em solo europeu tantos soviéticos quanto a soma de norte americanos, britânicos, canadenses e australianos nos 5 anos e 8 meses de guerra na Europa.
Outro dado categórico: dos 5,3 milhões de soldados da Wehrmacht mortos durante a 2ª Guerra, nada menos que 4,77 milhões (90%) morreram em combates contra o Exército Vermelho na Frente Oriental. A eles devem ser acrescidos 800 mil soldados de outros países do Eixo (Hungria, Romênia, Itália, Finlândia, Países Bálticos, Checoslováquia e Bulgária) e 370 mil fascistas de países ocupados (ucranianos, croatas, franceses, neerlandeses etc.), além de espanhóis franquistas.
Nas demais frentes pereceram 530 mil soldados alemães, sendo 300 mil (5,6%) na Frente Ocidental, em combates contra norte-americanos, britânicos e canadenses; 200 mil (3,8%) na África Setentrional, enfrentando britânicos, norte-americanos e australianos, e 30 mil (0,6%) na ofensiva dos Balcãs, na primavera de 1941.
E para finalizar: das 20 maiores batalhas ocorridas na Europa e África Setentrional – considerando número de soldados em combate, quantidade de material bélico mobilizado, número de vítimas (mortos, desaparecidos e feridos) e número de prisioneiros feitos -com exceção das batalhas das Ardenas (Bélgica) e de Monte Cassino (Itália), todas as demais 18 foram confrontos entre o Exército Vermelho e a Wehrmacht: Batalhas de Moscou, Stalingrado, Kursk, Leningrado, Kharkov, Smolensk, Dnieper, Vístula-Oder, Bialystok-Minsk, Uman, Sebastopol, Voronezh, Demyansk, Jassy-Kishinev, Heihgenbeil, Bryansk, Budapest e Berlim.
Em junho de 1944, quando norte-americanos e britânicos estavam empacados no centro da Itália e abriram a segunda frente, realizando o desembarque de tropas na Normandia no “superestimado Dia D”, a guerra já estava irremediavelmente perdida pela Alemanha nazista. O Exército Vermelho avançava na ofensiva Dnieper-Cárpatos, desbaratando a Wehrmacht no oeste da Ucrânia e avançando na Eslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária e Iugoslávia, e desfechava a operação Bragation, varrendo as tropas nazistas da Bielorrússia, países bálticos e leste da Polônia.
Ainda paira alguma dúvida?
É óbvio que os EUA tiveram enorme importância no combate ao nazismo, especialmente pelo fornecimento de vasto equipamento bélico aos britânicos e, posteriormente, aos soviéticos (400 mil caminhões e jipes, 70% do empregado pela URSS na 2ª Guerra, eram de fabricação norte-americana, além de 8 mil aviões). Mas o papel desempenhado pela URSS na derrota dos nazistas não tem comparação. A guerra não seria ganha sem a participação dos soviéticos.
VERSÃO STALINISTA
E tem um aspecto importante a ser apreciado. Historiadores stalinistas (russos ou não) e mesmo ocidentais, com o propósito de minimizar a força do proletariado soviético, atribuíram a Stálin o êxito da URSS no combate ao nazismo. Nada mais falso. A União Soviética derrotou os nazistas graças à determinação de seus povos de se livrarem da opressão fascista, do tratamento dado aos eslavos, tidos como seres de nível inferior, e, especialmente, em defender a propriedade social dos meios de produção.
Mas também à genialidade de alguns de seus generais, como Jukov e Koniev, apesar de Stálin, que, entre 1936 e 1938, desbaratou o alto comando do Exército Vermelho, expurgando e matando 13 dos 15 comandantes de Exército (generais de 3 e 4 estrelas) e mais de 5 mil (80%) oficiais de alta patente. Não nos esqueçamos que Stalin, chefe supremo da burocracia usurpadora do Estado Socialista implantado pela Revolução de 1917, flertava com Hitler até junho de 1941, na esperança de conter sua sanha conquistadora e negociar parte do butim de guerra.
Em tempos de renascimento da extrema-direita, é oportuno lembrar dos hediondos crimes cometidos pelos nazifascistas em toda a Europa. A matança perpetrada pelos nazistas teve os judeus como principal alvo. Foram mortos cerca de 6 milhões, nada menos que 66% dos 9,1 milhões que habitavam o continente europeu: 2,85 milhões nos campos de extermínio situados na Polônia e na Alemanha; 2 milhões em cidades e aldeias da URSS (Rússia, Ucrânia e Bielorrússia) e 1,15 milhão em guetos, especialmente na Polônia.
Também foram vítimas de extermínio nazista entre 700 mil e 1 milhão de ciganos; 250 mil pessoas com alguma deficiência física ou mental e 50 mil acusados de serem homossexuais. Foram ainda executados 30 mil membros do Partido Comunista Alemão (KPD) e outros 150 mil confinados em campos de concentração, sendo que cerca de metade ali pereceu.
Mas a sanha nazista tinha o objetivo de também exterminar um numeroso grupo étnico específico, os eslavos, considerados cidadãos de 2ª classe, com o propósito de “esvaziar” grandes extensões de terra para receber colonos alemães (Lebensraun, a nova versão do Ostsiedlung). Foram mortos 12 milhões de russos, ucranianos e bielorrussos, além de 6 milhões de poloneses, tchecos, eslovacos, sérvios, eslovenos, romenos e búlgaros, num total de 18 milhões.
FASCISMO E BURGUESIA
O fascismo, sabemos, é o último recurso da burguesia quando ela se sente ameaçada pela ação revolucionária da classe trabalhadora. Rapidamente transmuda de seu regime “liberal democrático” (na verdade, uma ditadura velada de classe) para uma ditadura aberta. Lenin, ao analisar a democracia burguesa, dizia que “ela não passa de uma ditadura velada da burguesia. Para a burguesia monopolista, o regime parlamentar e o regime fascista não representam senão diferentes instrumentos de sua dominação: recorre a um ou outro segundo as condições históricas”.
Trotsky tinha análise similar: “A grande burguesia, que é uma pequena minoria da nação, não se pode manter no poder se não tem apoio na pequena burguesia das cidades e dos campos. Se as classes dominantes pudessem dominar diretamente, não teriam necessidade nem do parlamentarismo, nem do fascismo. A burguesia precisa desembaraçar-se completamente da pressão das organizações operárias, dispersá-las, destruí-las. Aqui começa a função histórica do fascismo. Ele põe de pé a pequena-burguesia que teme ser precipitada nas fileiras do proletariado, organiza-a, militarizando-a com os meios do capital financeiro, e a orienta para a destruição das organizações operárias”.
Nos EUA, assim como na Grã-Bretanha, França e outros países ocidentais, boa parte da elite política e econômica nas décadas de 1920 e de 1930 simpatizava com a forma como o nazifascismo contivera o movimento proletário e a “ameaça comunista”.
Em tempo: é bom esclarecer que tal “ameaça” passou longe do Brasil. A classe trabalhadora, com o PT em sua direção, nem de perto se apresentou como uma ameaça ao poder da burguesia. A ameaça do PT implantar o comunismo não passava ou passa de um mero pretexto de bolsonaristas para pôr medo na classe média e em crentes abnegados.
Os EUA, que fizeram a guerra fora de seu território, saíram como a nação mais forte no pós-guerra, mantendo intactos seu parque industrial e sua infraestrutura. Após o fim da guerra, nada menos que 1.500 cientistas e técnicos alemães mais gabaritados, que estiveram na linha de frente da guerra, escaparam dos tribunais que julgaram crimes de guerra e foram alocados em instituições de pesquisa nos EUA, colocando-se na cabeça de seu programa espacial.
Do mesmo modo, milhares de militares da SS foram isentos de seus crimes e absorvidos no novo exército alemão em reconstrução, assim como dezenas de milhares de filiados ao Partido Nazista foram colocados na administração da recém-fundada República Federal da Alemanha.
São fatos, não versões.
Em suma, a democracia burguesa (ou ditadura velada) pode não morrer de amores pelo fascismo, mas não tem com ele nenhuma contradição insolúvel. O vê como um recurso que pode ser utilizado quando necessário.
Como disse Trotsky: “A grande burguesia gosta tanto do fascismo quanto um homem com o maxilar dolorido pode gostar de arrancar um dente”.