R$ 4,66! É o que fez o Banco Central optar por aumentos sucessivos da taxa Selic em razão do IPCA de 4,83% em 2024 ter “estourado” o teto da meta de inflação de 4,50%. Como assim? Para uma família com rendimento de 1 salário-mínimo, uma inflação de 4,50% implica num aumento de R$ 63,53 em seu custo de vida. Já com a inflação de 4,83%, o aumento em seu custo de vida foi de R$ 68,20, ou seja, R$ 4,66 a mais.
Mas tão alardeado pela grande mídia, o “estouro da meta de inflação” foi amplamente compensado pelo reajuste do (salário mínimo (SM), que mesmo na regra do arcabouço fiscal, foi de R$ 106, o que proporcionou àquela família aumento real de R$ 37,80 (106,00 – 68,20). Se o cálculo for para uma família com rendimento de 3 SM, o aumento no custo de vida gerado pelo “estouro da meta” foi de R$ 13,98, compensado com um ganho real de R$ 113,40. E assim por diante.
E é com base nesse pífio estouro da meta de inflação que o BC vem justificando os aumentos da taxa Selic. Ocorre que os três aumentos desde setembro de 2024, passando de 10,50% para 12,25%, somados aos dois já previstos pelo BC em janeiro e março, para 14,25%, significam aumento nos gastos com juros da dívida pública de R$ 187,5 bilhões (cada 1 ponto percentual de aumento da Selic implica em aumento dos gastos com juros da ordem de R$ 50 bilhões). E são os mais ricos que se apropriam desses R$ 187,5 bilhões. Ademais, juros altos inibem o crédito, consumo e investimento e, junto com o câmbio, já está travando a recuperação da indústria brasileira.
Cabe a pergunta: Algum economista “iluminado” do mercado financeiro poderia, em seus modelos econométricos, explicar porque 0,33 ponto percentual acima do teto da meta no Brasil justifica tão brutal aumento da taxa de juros, enquanto nos países da OCDE, onde na média houve um “estouro da meta” dez vezes maior (a meta de inflação média para 2024 era de 2% e a inflação média foi de 5%), não se viu aumentos na taxa de juros sequer próximos ao verificado aqui?
O sistema de meta de inflação é uma armadilha montada pelos economistas neoliberais para colocar o governo nas mãos do mercado financeiro: O mercado financeiro quer uma taxa de juros real elevada, e então pressiona para que seja fixada uma meta de inflação excessivamente baixa que, não atingida, justificaria uma elevação da taxa Selic.
Cabe aos Ministérios da Fazenda e do Planejamento explicarem porque aceitaram, em 2023, a pressão do mercado financeiro, e mantiveram a redução da meta de 3,25% para 3,0%, quando poderiam ajustá-la para 3,5% ou mesmo 4,0% (com teto em 5,0% ou 5,5%), bem mais factíveis para a realidade brasileira.
Outra armadilha é a imposição do superávit primário, com a falsa narrativa de que o governo gasta demais. Diz que o déficit primário está fora de controle e faz disparar a dívida pública. Mentira! O que faz a dívida do setor público “explodir” não é o déficit primário, mas os gastos com juros da dívida pública (inacreditáveis R$ 900 bilhões em 2024) dez vezes maior que o déficit primário, o real responsável pelo aumento da relação dívida/PIB.
E tem ainda a armadilha do tal hiato entre PIB real e PIB potencial, com os economistas neoliberais manipulando grosseiramente o conceito de “PIB potencial”, afirmando que o país não pode crescer acima de 4% ao ano, tese “comprada” pelos tecnocratas do BC, conforme seu comunicado de 11/12/24: “A atividade econômica e o mercado de trabalho seguem apresentando dinamismo, com destaque para o PIB do terceiro trimestre, que indicou abertura adicional do hiato. Um crescimento acima do esperado, o que exige uma política monetária ainda mais contracionista”.
Os tecnocratas do BC conseguem transformar uma boa notícia – o crescimento de 4% do PIB no 3º trimestre, com mais pessoas tendo dinheiro para comprar comida, ir ao salão ou viajar – num problema. O alarde feito com o “estouro da meta de inflação” somado ao suposto “descontrole nos gastos públicos” e, pasmem, “um excessivo crescimento do PIB”, geram a narrativa de que a economia do país vai mal, adequada para o ataque especulativo contra a moeda brasileira, com o dólar saltando de R$ 5,10 em abril para R$ 6,15, o que gerou outra chantagem: a elevação do Risco Brasil, passando de 150 pontos no início de 2024 para 205 neste início de ano.
O fato é que a economia brasileira vai relativamente bem: pelo quarto ano consecutivo crescerá acima de 3%; a taxa de desemprego está caindo; a inflação está sob controle; não há colapso fiscal algum, pois o déficit primário é administrável; as contas externas estão equilibradas e as reservas internacionais são da ordem de US$ 380 bilhões. Os problemas são os R$ 900 bilhões gastos com os juros da dívida pública; os R$ 500 bilhões de isenções fiscais e a baixíssima tributação dos mais ricos. Mas disso a grande mídia não fala.
Em suma, esse é o resultado da adoção do tal tripé “meta de inflação/superávit primário/câmbio flutuante” com um Banco Central independente (do governo, não do mercado financeiro).