Donald Trump venceu as eleições nos EUA. E fez barba, cabelo e bigode: ganhou no colégio eleitoral por larga margem, no voto popular e nas eleições para o Senado e para a Câmara. Nos 24 estados em que era esperada a vitória de Trump, ele venceu com vantagem maior do que a obtida em 2020 e em sua vitória em 2016. Já nos 19 estados em que a vitória de Kamala era esperada, ela venceu por uma margem bem menor do que a verificada na vitória dos democratas em 2020 e mesmo na derrota em 2016. E Trump faturou todos os estados-pêndulo com boa diferença de votos. A pergunta que se faz é: Foi Trump quem venceu ou os democratas que perderam. Me parece que pende mais para o segundo caso.
Já havia dito, em artigo anterior, que “o problema maior dos democratas não era a senilidade de Biden, mas a situação econômica e social do país. Apregoado pela grande mídia, o bom desempenho da economia norte-americana não passa de falácia: a cada ano sua indústria recua ante à chinesa; os salários estão estagnados desde 2000; a renda média caiu 2,3% em 2022; a taxa de desemprego de 3,8% mascara a ocupação de milhões em empregos precários (só em atividades por aplicativos são 23 milhões) e 42 milhões (12,4% da população, um a cada oito) vivem abaixo da linha de pobreza, essencialmente negros e hispânicos. Tanto arrocho para que o 1% mais rico aumentasse sua participação na renda nacional para 22% e na riqueza, para mais de 30%”.
E completava: “Ademais, nesses quatro anos não cessaram as recorrentes agressões contra negros e imigrantes hispânicos e a política externa dos democratas é catastrófica, torrando bilhões de dólares fomentando a guerra Ucrânia x Rússia e apoiando o massacre de Netanyahu em Gaza. Kamala carrega o fardo de um mandato pífio de Biden e sua senilidade serve apenas para encobrir os fracassos dos democratas, confirmando que governos democratas e republicanos são irmãos siameses, tanto no plano econômico e social quanto na política externa”.
E em recente artigo, alertava: “Numa disputa onde a maioria do povo não avalia bem o governo Biden, as chances de Kamala poderiam vir do voto maciço de segmentos minoritários da heterogênea sociedade norte-americana: negros, que correspondem a 12,7% da população do país, e hispânicos, 18,4%. Em 2020, a política reacionária de Trump levou 87% dos negros e 70% dos hispânicos a votarem em Biden. Só que nesses quatro anos a gestão dele frustrou ambos os segmentos. Deu no que deu!
E prosseguia: “Na Geórgia, onde 31,7% da população é negra, pesquisa da Reuters/Ipsos (a 20 dias das eleições) revela que 85% deles tendiam a votar em Kamala, mas apenas 61% estão motivados a votar, motivação que alcança 70% no eleitorado branco, majoritariamente trumpista. Na Pensilvânia (11% negros), apenas 56% dos negros estão motivados a votar, motivação que entre os brancos é de 72%. Situação que se repete em outros “estados pêndulos” com importantes contingentes negros, como Carolina do Norte (21,2%) e Michigan (14%).
Entre os hispânicos o quadro é similar, notadamente nos dois estados do sudoeste: Arizona (30% da população) e Nevada (28,7%)”. E a desilusão com Biden foi tamanha que, surpreendentemente, um número expressivo desses negros e hispânicos deram seus votos para Trump, além de uma parcela importante que optou pela abstenção, o que beneficiou o republicano.
E completava: “Outra minoria, os 6 milhões de árabes e seus descendentes, que votaram maciçamente em Biden em 2020, estão furiosos com seu apoio ao genocídio em Gaza. Em Michigan está a maior colônia árabe nos EUA. Em 2020 Biden obteve mais de 80% dos 300 mil votos árabes-americanos do estado, mas o enorme repúdio a seu apoio ao massacre que Netanyahu promove em Gaza com armamento norte-americano deve levar ao aumento da abstenção nesse segmento”.
E Trump venceu em Michigan. E por que razão Kamala não condenou o massacre dos palestinos? Por não querer desagradar boa parte do eleitorado branco, cristão e islamofóbico.
Como sempre, democratas e republicanos, com discursos aparentemente diversos, convergem nas questões centrais. No plano interno, ambos defendem os interesses de Wall Street e do complexo industrial-militar (que de fato comandam o país); promovem a brutal concentração da renda; defendem o Estado Mínimo; incentivam o trabalho precário e reprimem a imigração e as minorias negra e hispânica.
A diferença está no discurso e nas nuances. No plano externo, ambos apoiam a “guerra comercial” contra a China; a expansão da OTAN e as provocações à Rússia; as sanções ao Irã, Cuba e Venezuela e o massacre promovido por Israel na Palestina.
Quanto às mudanças climáticas, um nega e o outro finge que a combate (basta ver os incentivos à extração de óleo e gás de xisto sob Obama e Biden).
Em 2016, saiu o burro entrou o elefante; em 2020, saiu elefante entrou burro; em 2024, sai burro, entra elefante. Em 2028, provavelmente veremos a queda do elefante e a volta do burro.