Nesta terça-feira (5) ocorrerá a eleição que definirá a escolha do próximo presidente dos EUA, além de governadores e parlamentares federais e estaduais. E a grande mídia continua insistindo em destacar a mínima diferença entre Kamala e Trump nas pesquisas nacionais. Ora, por lá elas de nada valem. Os EUA têm cerca de 340 milhões de habitantes e 247 milhões de eleitores registrados. Estima-se que 2/3 (165 milhões) deverão votar.
Ocorre que no peculiar (e antidemocrático) sistema eleitoral norte-americano não leva quem tem mais votos. A eleição é indireta, se dá no colégio eleitoral, e não respeita a proporcionalidade. Na prática são 51 eleições (nos 50 estados e no Distrito de Colúmbia), e quem obtém 50% dos votos mais um leva todos os delegados do estado. Na liberal Califórnia os democratas podem vencer por 5 milhões de votos (como foi em 2020) ou por escassos 500 mil, pois em qualquer dos cenários levarão os 54 delegados. Já no conservador Texas, Trump pode vencer por qualquer vantagem e levará os 40 delegados.
Em 43 estados e no DC, que concentram 135 milhões de eleitores, a eleição para presidente praticamente já tem vencedor definido, sendo muito improvável qualquer surpresa. Neles, Kamala lidera com folga em 19 estados e no DC, com 225 delegados. Já Trump lidera em 24 com 220 delegados. Portanto, a disputa está circunscrita aos chamados estados-pêndulo, que são sete, que detém 93 dos 538 delegados, e onde a diferença tem sido historicamente reduzida e em 2020 variou entre 0,2 e 3,5 pontos percentuais.
Esses sete estados somam 62 milhões de habitantes, dos quais 45 milhões são eleitores e 30 milhões deverão comparecer às urnas. Sim, 30 milhões vão decidir o rumo dos 340 milhões norte-americanos. Em 2020, Biden venceu em seis desses estados: Pensilvânia (20 delegados), Geórgia (16), Michigan (15), Arizona (11), Wisconsin (10) e Nevada (6); e Trump na Carolina do Norte (16). As últimas pesquisas nesses estados revelam que Kamala está à frente, por estreitíssima margem, em Michigan, Wisconsin e Nevada. Já Trump lidera, também com vantagem mínima, na Geórgia, na Carolina do Norte e no Arizona. Na Pensilvânia estão rigorosamente empatados.
Numa disputa tão parelha, a eleição poderá ser decidida pelo voto de segmentos minoritários da heterogênea sociedade norte-americana, e o voto de alguns nichos virou decisivo. Em certas regiões, Kamala faz um discurso retrógrado para buscar votos de suburbanos brancos evangélicos.
Já Trump mira fatias do eleitorado negro e hispânico, sempre arredio ao seu discurso supremacista branco e anti-imigração. Os negros correspondem a 12,7% da população do país e os hispânicos a 18,4%. Em 2020, a política reacionária de Trump levou 87% dos negros e 70% dos hispânicos a votarem em Biden. Só que nesses quatro anos sua gestão frustrou ambos os segmentos.
Na Geórgia, onde 31,7% da população é negra, pesquisa da Reuters/Ipsos revela que 85% deles tendem a votar em Kamala, mas apenas 61% estão motivados a votar, motivação que alcança 70% no eleitorado branco, majoritariamente trumpista. Na Pensilvânia (11% negros), apenas 56% dos negros estão motivados a votar, motivação que entre os brancos é de 72%. É uma situação que se repete em outros “estados pêndulos” com importantes contingentes negros, como Carolina do Norte (21,2%) e Michigan (14%).
Entre os hispânicos o quadro é similar, notadamente nos dois estados do sudoeste: Arizona (30% da população) e Nevada (28,7%). É pouco provável que esses negros e hispânicos transfiram seus votos para Trump, mas um aumento substantivo na abstenção desses segmentos beneficiaria o republicano.
Há ainda uma outra minoria, os cerca de 6 milhões de árabes e seus descendentes, majoritariamente islâmicos, que votaram maciçamente em Biden em 2020, mas estão furiosos com seu apoio ao genocídio em Gaza. No Michigan, onde deverão votar 5 milhões de eleitores, está a maior colônia árabe nos EUA (400 mil, notadamente libaneses e palestinos). Em 2020 Biden obteve mais de 80% dos 300 mil votos árabes-americanos do Michigan, mas hoje há enorme repúdio a seu apoio ao massacre que Netanyahu promove em Gaza com armamento norte-americano.
Pesquisas apontam vantagem de 1 ponto percentual de Kamala no estado, ou seja, escassos 50 mil votos. Mas se a abstenção entre os eleitores árabes, indignados com o apoio dos democratas ao massacre em Gaza e no Líbano, subir de 25% para 40%, essa vantagem desaparecerá e Trump levará todos os 15 delegados do estado, o que poderá ser decisivo para decretar sua vitória no colégio eleitoral.
E por que Kamala não condena o massacre dos palestinos? Por não querer desagradar boa parte do eleitorado branco, cristão e islamofóbico.
Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega! A conferir.