Apresentado pela grande mídia como um setor moderno e tecnológico, o “ogronegócio” continua mostrando sua verdadeira face: o Projeto de Lei do Marco Temporal das Terras Indígenas (PL 490/07); o PL do Veneno (nº 1.459/22); o financiamento dos atos golpistas de 8 de janeiro e a tentativa de criminalização do MST com uma CPI espúria. A falsa imagem (Agro Tec, Agro Pop) apresentada pela Globo assenta-se em duas grandes mentiras: a de que o “ogronegócio” não é mais o latifúndio improdutivo de algumas décadas e de que ele alimenta o mundo.
A primeira questão, posse e exploração da terra, é o que tem dado margem ao questionamento dos ruralistas em relação à extensão das terras indígenas no Brasil. Num misto de ganância e ignorância em relação à cultura dos povos originários, alegam que os indígenas têm terras em demasia para uso algum. Ora, o IBGE acabou de apurar que a população indígena é superior a 1,65 milhão, sendo que cerca de 1/3 (550 mil) reside em áreas urbanas e 2/3 (1,1 milhão) em Terras Indígenas. Como as Terras Indígenas demarcadas (nem todas homologadas) somam 107 milhões de hectares, o resultado é 97 hectares/indígena.
O Brasil tem 115 mil grandes propriedades rurais que ocupam 315 milhões de hectares, o que resulta em 2.740 hectares/propriedade. Mesmo se considerar todos os seus familiares (seriam 310 mil pessoas, 2,7 pessoas/família), o resultado seria de 1.016 hectares/pessoa, mais de dez vezes o espaço médio ocupado por indígenas. A título de comparação, as 4,7 milhões de pequenas propriedades rurais (agricultura familiar) ocupam 130 milhões de hectares – 27,6 hectares/propriedade, 100 vezes menos que um latifúndio.
A réplica dos ruralistas traz a segunda grande mentira, a de que, sustentando o saldo positivo da balança comercial brasileira com suas exportações, alimentam de 1,5 bilhão a 2 bilhões de pessoas do planeta. Mentira desvairada! O Brasil produz 7,7% da produção mundial de grãos (270 milhões em 3,5 bilhões de toneladas) e suas exportações de grãos somam 140 milhões de toneladas, apenas 4% do consumo mundial.
Tal volume supriria a demanda de 320 milhões de pessoas (4% de 8 bilhões), uma fração dos 1,5 a 2 bilhões. Mas nem isto é verdadeiro, pois a grande maioria dos grãos exportados pelo Brasil não se destina diretamente à alimentação humana, mas a aves e porcos chineses, coreanos e europeus.
Quanto a sustentar o saldo da balança comercial do país, se é fato, o seu efeito colateral é devastador para os brasileiros, especialmente os mais pobres. Os ruralistas se dedicaram a expandir a produção de produtos que possam faturar em dólar, deixando de lado os produtos tradicionais da mesa do brasileiro. Assim, a área plantada com soja, milho e cana-de-açúcar) avançou de forma implacável (crescimento de 213% de 1980 a 2022, de 22,4 para 70,2 milhões de hectares), ocupando hoje cerca de 85% da área plantada no País.
Já a área plantada para a produção de alimentos que o nosso povo consome (feijão, arroz, mandioca, hortaliças, legumes, banana), cada vez mais restrita aos agricultores familiares e médios produtores rurais, caiu mais de 50%, de 14,4 para 7,1 milhões de hectares (de 1960 a 2020, enquanto a população brasileira cresceu 200%, a produção de arroz cresceu 130%, a de feijão 67%, a de banana ficou estagnada e a de mandioca caiu 19%).
Daí advém dois sacrifícios para o povo nas cidades: de um lado, a redução da área cultivada com alimentos básicos resulta na estagnação da produção e consequente elevação de seus preços; de outro, a cotação em dólar das exportações gera uma forte alta dos preços de óleo de soja, fubá, açúcar e carnes no mercado interno.
Em suma, sempre posando de patriotas, desfilando nos acampamentos golpistas com a “amarelinha” do Neymala, os ruralistas estão se lixando para a alimentação do povo brasileiro.
E o que fica desses “homens de bem”: grilagem de terras públicas; invasão de unidades de conservação e terras indígenas; frequente uso de trabalho escravo; uso excessivo de agrotóxicos contaminando o ar, o solo e o lençol freático; destruição de matas ciliares; promoção de incêndios criminosos e desmatamento na Amazônia e no Cerrado, e recorrentes calotes de suas dívidas junto ao Banco do Brasil.
O que o Brasil precisa é de uma CPI do “ogronegócio”!