Finalmente o Congresso Nacional votará a proposta de um novo arcabouço fiscal que substituirá o malfadado Teto de Gastos que vigorou por longos seis anos. O deputado Cláudio Cajado (PP/BA) apresentou seu relatório inserindo algumas alterações como a obrigatoriedade do contingenciamento de despesas em caso de ameaça ao cumprimento da meta fiscal e a exclusão do Fundeb e do piso da enfermagem das exceções ao limite de despesas.
Mas a essência da proposta encaminhada pelo Ministério da Fazenda foi mantida. E embora o governo diga que a nova regra fiscal é uma mudança de 180 graus em relação ao Teto de Gastos de Temer/Bolsonaro, a rotação mais se assemelha a 360 graus. Ou seja, continua prevalecendo o rígido controle das despesas para sobrar dinheiro para a geração de superávits primários, tão ao gosto do mercado financeiro.
Não por acaso a nova regra fiscal foi tão bem recebida pelos banqueiros, especialmente a meta de reduzir o déficit primário para 0,5% do PIB já neste ano, zerá-lo em 2024 e voltar a gerar superavit em 2025 (de 0,5%) e 2026 (de 1,0%). A pergunta que não quer calar é: de que vale tamanho esforço da Nação comprimindo os gastos públicos para gerar superavit primário de 0,5% ou 1% do PIB se os gastos com pagamento de juros da dívida pública subtraíram do orçamento em 2022 nada menos que R$ 586,4 bilhões, ou 5,96% do PIB?
E com a sabotagem explícita do Banco Central, mantendo a taxa Selic em 13,75%, os gastos deverão superar os R$ 750 bilhões em 2023 (7% do PIB). Arrocham-se os gastos públicos visando um superavit primário de R$ 50 bilhões (0,5% do PIB) enquanto os banqueiros levam R$ 750 bilhões (7% do PIB). Continuará o Brasil enxugando gelo?
Por que o mercado e a grande mídia não falam em déficit nominal, que inclui os gastos com juros da dívida pública, o ignorando por completo, quando é óbvio que o problema não é o déficit primário, mas o nominal?
Nos últimos 12 anos, os gastos com pagamento de juros da dívida pública somaram R$ 4,414 trilhões (R$ 1,513 trilhão nos cinco anos de Dilma, R$ 1,187 trilhão nos três anos de Temer e R$ 1,714 trilhão nos quatro anos de Bolsonaro). Parodiando James Carville, economista e assessor de Bill Clinton na campanha eleitoral de 1992: É o déficit nominal que importa, estúpido!
Na nova regra fiscal, as despesas totais devem aumentar até o limite de 70% das receitas. Como o governo trabalha com a hipótese de um aumento na receita de 5% em 2023, pela regra proposta as despesas poderiam aumentar 3,5%, mas não, pois há um limite de 2,5% para este aumento.
Dessa forma, metade de um suposto aumento de 5% da receita seria direcionada para superávit primário ou investimentos, cabendo ao primeiro, claro, a “parte do leão”. E mais: como cerca de 40% das despesas, por lei (casos de Saúde e Educação) ou por exclusão do limite de 2,5%, devem acompanhar a variação da Receita Corrente Líquida, as demais despesas teriam aumento médio de pífios 0,7%.
Não resta dúvida de que a continuidade da política de contenção de gastos, embora menos drástica que o Teto de Gastos, significa uma enorme trava para que o País possa voltar a crescer a uma taxa que permita ampliar a geração de empregos que mitigue o drama em que vivem os 14 milhões de desempregados (incluindo os desalentados) e mais de 40 milhões que estão na informalidade, a maioria em empregos precários, que muito se expandiu após a aprovação da Reforma Trabalhista.
No período da campanha eleitoral, o então candidato Lula falou que seu governo colocaria os pobres no orçamento e faria os ricos pagarem impostos. Ocorre que, na hipótese de vir a ser aprovada no Congresso uma maior tributação sobre a renda e a riqueza, com a trava de aumento dos gastos públicos em 2,5%, praticamente todo o aumento da receita que exceder este percentual será direcionado para o superavit primário, ou seja, o dinheiro voltaria para os ricos na forma de juros.
Enfim, não adianta tapar o sol com a peneira, pois não se faz uma omelete sem quebrar os ovos.