Júlio Miragaya (*)
Duas questões da máxima importância para o DF e sua periferia metropolitana passaram quase despercebidas na última semana. A primeira foi a aprovação, pela Assembleia Legislativa de Goiás, do projeto do executivo estadual finalmente criando a Região Metropolitana de Brasília, denominada RM do Entorno do DF.
Diferente da anacrônica Ride/DF – que agrupa 29 municípios, 17 dos quais não registram relevante migração pendular para Brasília -, o projeto do governo de Goiás considera apenas 12 municípios, adotando os critérios contidos na Nota Técnica nº 01/2014 da Codeplan: “Delimitação do Espaço Metropolitano de Brasília”.
A outra questão foi a proposição pelo senador Randolfe Rodrigues de uma PEC propondo a extinção do Fundo Constitucional do Distrito Federal, sugerindo a distribuição de seus R$ 23 bilhões entre todas as unidades federativas, conforme a regra do Fundo de Participação dos Estados (FPE), logo retirada diante da forte contestação.
Ambas tratam das enormes assimetrias entre o DF e sua periferia metropolitana. O Censo Demográfico de 2022 deverá apontar uma população de cerca de 3,15 milhões de habitantes no DF e perto de 1,3 milhão no Entorno Metropolitano, perfazendo 4,45 milhões de habitantes na Região Metropolitana de Brasília, disputando com Recife e Porto Alegre a condição de 4ª maior metrópole do país.
Mas, se a população do Entorno é cerca de 30% da população metropolitana, a sua participação no PIB total não passa de 7,5%. Isso mesmo: o IBGE divulgou neste mês os PIB municipais de 2020 e o PIB do DF somou robustos R$ 265,85 bilhões, ao passo que o PIB conjunto dos 12 municípios goianos não passou de R$ 21,72 bilhões (12 vezes menor).
E se o PIB per capita do DF é 5,5 vezes maior que o do Entorno Metropolitano, disparidade ainda mais acentuada ocorre com a receita orçamentária. Para 2023, o orçamento do DF é estimado em R$ 57,5 bilhões, sendo R$ 23 bilhões (40%) oriundos do FCDF. Já o orçamento estimado para os 12 municípios da periferia metropolitana não chega a R$ 4 bilhões, quinze vezes menor.
Dividindo-se o orçamento total pela população a ser atendida, observa-se que, no DF, o orçamento per capita resulta em R$ 18.300, enquanto a média nos municípios periféricos é de somente R$ 3.100 per capita, seis vezes menor, embora seja muito mais dependente e carente de serviços públicos.
Tornou-se comum dizer que a solução dos problemas dos municípios metropolitanos é responsabilidade do governo de Goiás, pois eles fazem parte do território goiano. Trata-se de uma meia verdade. Se o GDF alega, com razão, que a área fica fora de sua jurisdição, também com razão, Goiás argumenta que, não fosse a criação de Brasília, a área que hoje forma o Entorno Metropolitano provavelmente continuaria eminentemente rural e escassamente habitada.
Ocorre que os parcos 70 mil moradores em 1960 se multiplicaram por 20 vezes. Se as chamadas “cidades-satélites” de Brasília surgiram quando o povo mais pobre não “cabia” no Plano Piloto e suas adjacências, o “Entorno Metropolitano” surgiu quando este povo sequer “cabia” nas cidades-satélites.
Os problemas da periferia metropolitana do DF são também de Brasília. Temos as maiores disparidades entre núcleo e periferia entre as 15 maiores metrópoles do país. Tal situação é insustentável. Esses municípios não podem ficar condenados a serem eternamente cidades-dormitório. Têm que ter condições de se desenvolverem e, para tanto, precisam de recursos financeiros que permitam substantivos investimentos em infraestrutura urbana.
Não se trata de extinguir o FCDF, mas de compartilhá-lo com o “Entorno Metropolitano”. Se míseros 10% do FCDF (R$ 2,3 bilhões) fossem destinados para nossa periferia, isso representaria um acréscimo de 60% em seus orçamentos.
Já passou da hora da sociedade e dos políticos brasilienses deixarem de virar as costas para seus vizinhos.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia