Júlio Miragaya (*)
O título acima bem poderia ser o lema do desgoverno Bolsonaro. Exagero? Vejamos: enquanto Bolsonaro e seus comparsas do agronegócio se vangloriam de o Brasil ser o segundo maior exportador de alimentos do mundo, 33,1 milhões de brasileiros passam fome. Segundo a Rede Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), 17,5 milhões (10% da população) passavam fome em 2002 (FHC), contingente que caiu para os ainda inaceitáveis 8,5 milhões (4,2%) em 2013 (Dilma), voltando a subir para 12 milhões (5,8%) em 2018 (Temer) e disparando para os atuais 33 milhões.
São quase 17 milhões no Norte/Nordeste (22% da população); 11,5 milhões no Sudeste (13%), 2 milhões no Centro-Oeste (12,7%) e 3 milhões no Sul (9,8%). Isto porque, enquanto diminui a cada ano a área plantada com arroz, feijão, mandioca, banana e outros alimentos básicos – e, dada a limitação da oferta, os preços disparam, tornando-os inacessíveis aos mais pobres – a “turma do agronegócio” praticamente tornou o campo brasileiro numa imensa plantação de soja e milho voltada para alimentar porcos, vacas e aves no Brasil, na Ásia e na Europa.
Produzem e exportam, ainda, açúcar, carnes, café e outros produtos, enriquecendo cada vez mais, pois faturam em dólar e são isentos de tributos, enquanto, para o povo pobre e miserável, sobram ossos e pés de galinha. Até no único aspecto positivo gerado pelo agronegócio no Brasil (o saldo na balança comercial), o resultado deve ser relativizado pelos crescentes gastos com a importação de insumos, como fertilizantes (U$ 15,2 bilhões em 2021).
Aliás, aqui se observa mais um dos males da política neoliberal num setor estratégico, que impacta a segurança alimentar. Com a imposição, em 1997, de tarifa zero para fertilizante importado; com a venda em 2017 dos ativos da Vale Fertilizantes para a Mosaic (Cargill) e com a desativação/arrendamento/abandono das plantas da Petrobras (capacidade de 7 milhões de toneladas/ano), o parque industrial de fertilizantes no Brasil mingou. O resultado foi a elevação das importações, de 40% da demanda em 1987 para 86% em 2021.
Este é o “Agro”. Mediante grilagem, expulsam posseiros, roubam terras públicas, invadem terras indígenas e quilombolas; desmatam e degradam o meio ambiente; exploram trabalho infantil e escravo e montam bandos de jagunços para ameaçar e matar camponeses e indígenas. O Agro não é pop, como diz a Rede Globo, o Agro é podre!
Conflitos e assassinatos no campo
Historicamente, uma das atividades dos “homens de bem” do agronegócio é ocupar terras públicas e roubar terras dos camponeses. Segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da CNBB, nos três primeiros anos do desgoverno Bolsonaro, ocorreram nada menos que 4.078 conflitos por terra no Brasil, recorde histórico.
Apenas em 2021, foram 1.769 conflitos, envolvendo 897 mil pessoas numa área de 71,2 milhões de hectares com 1.730 trabalhadores resgatados do trabalho escravo. Entre as vítimas dos conflitos, 26% são indígenas; 17% são quilombolas; 17% são posseiros; 14% são sem terras e 8% são assentados. Entre os causadores, 41% são fazendeiros/empresários, 13% são grileiros, 6% são madeireiros, 5% são garimpeiros e 17% são agentes de governo.
Desses conflitos resultaram, nos últimos dez anos, 403 pessoas assassinadas, sendo que 313 (77%) na Amazônia Legal. Possivelmente os desaparecimentos de Bruno e Dom engrossarão essas tristes estatísticas. Aliás, por que as FFAA, em vez de ficarem “empetelhando” o TSE, não combatem a criminalidade na Amazônia?
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável e ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia