Júlio Miragaya (*)
Não é de hoje que muitos se perguntam como o sistema capitalista, que concentra a renda e a riqueza de forma tão brutal – a ponto de 2,7 mil bilionários (menos de meio milionésimo, ou 0,00003% da humanidade) acumular riqueza superior à detida por metade dela (bilhões de seres humanos) – consegue angariar tanto apoio junto aos trabalhadores, à classe média e aos miseráveis?
Para a burguesia, não tem sido fácil disfarçar tamanha aberração. Para tanto, conta com potentes instrumentos de persuasão: uma mídia avassaladora, entretenimentos alienantes e a religião, que promete o paraíso após uma vida de sofrimentos. Historicamente, recorrem à cooptação de lideranças políticas e sindicais vinculadas aos setores populares para “amansar” a rebeldia das massas.
A estratégia burguesa passa também por dispersar as grandes concentrações de trabalhadores, via automação, uberização e atomização. Muito frequentemente fazem uso da repressão, mediante os aparelhos policial, judicial e as FFAA. E, quando nada funciona, lançam mão do fascismo. Em suma, vale tudo para preservar um sistema econômico que, em benefício de poucos, condena bilhões à pobreza e à miséria.
Para justificar uma sociedade tão desigual e excludente e angariar apoio, buscam naturalizar tal situação, pregando que o sucesso advém de iniciativas individuais, da competição e da meritocracia, do “cada um por si, Deus por todos”, recorrendo a valores egoístas e narcisistas para se contrapor aos valores associados ao sentimento de coletividade, como cooperação, solidariedade, fraternidade e igualdade.
O discurso meritocrático, do “só depende de mim, com a ajuda de Deus”, rechaça a existência do Estado, que “só atrapalha”, “enche o saco com muitas regras” e “cerceia quem quer produzir”. É também contra os impostos (“o Estado não dá retorno”), contra a fiscalização dos órgãos públicos, afirma que os serviços públicos não funcionam e que as empresas estatais são cabides de emprego e devem ser privatizadas.
Repudia os direitos humanos e sociais, o sindicalismo, associativismo e cooperativismo, afirmando que assalariados formais e servidores públicos (esses ainda com direito à estabilidade no emprego) são privilegiados e fazem greves que só atrapalham o país e prejudicam quem quer produzir. Prega a ojeriza ao “politicamente correto”, e cultua o racismo, a homofobia, a misoginia e a xenofobia.
O ideal ultraliberal seria uma sociedade com Estado Mínimo (só o aparelho de repressão para proteger a propriedade). Exatamente o discurso de madeireiros, garimpeiros, desmatadores, exploradores de mão de obra informal, sonegadores etc. E para coroar: se os trabalhadores ganham baixos salários, se há tanto desemprego e se há tantos pobres, a culpa é do Estado que atrapalha, dos privilegiados que têm emprego e da preguiça dos pobres, até da ira divina. Nunca dos capitalistas.
No Brasil atual, são milhões os que creem que se beneficiam de uma sociedade assim estruturada. Constituem a ampla base que dá sustentação política a Bolsonaro, compreendendo médios/pequenos empresários, que se favorecem da precarização do emprego; autônomos, como os caminhoneiros; médios/pequenos agricultores, notadamente nas regiões Sul e Centro-Oeste.
Compreende, ainda, muitos da base da pirâmide social, como os entregadores de aplicativo e trabalhadores doutrinados pela teologia da prosperidade. Não percebem que os maiores beneficiários são os que sustentam tal organização social: a burguesia financeira, industrial e agrária.
E dessa forma o sistema capitalista vai sobrevivendo.
Conclave dos ricos
Mais uma vez, a cidade suíça de Davos recebeu endinheirados do mundo inteiro, assim como os governantes que lhes prestam serviço, para tagarelarem sobre os problemas da economia mundial. Comemoraram – sobre meio bilhão de infectados e 6,5 milhões de cadáveres – que, em dois anos de pandemia, o clube dos ricaços recebeu, segundo a Forbes, a adesão de 573 novos bilionários, ao mesmo tempo que o número de pessoas na extrema pobreza, segundo a Oxfam, aumentou em 500 milhões. Nada mais hipócrita que o capitalismo com face humana!
Rio
Na semana em que Genivaldo foi torturado e assassinado por agentes da PRF em Sergipe, a ocorrência da 40ª chacina realizada em um ano pelo governador miliciano Cláudio Castro – dessa vez na Vila Cruzeiro, na qual dos 23 executados, apenas 5 tinham ficha criminal – ainda não foi suficiente para alguns dirigentes do PT-RJ deixar de “namorá-lo”?
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia