Júlio Miragaya (*)
A menos de três meses das eleições de 2018, mesmo arbitrariamente preso, Lula, com 39% das intenções de voto (Datafolha), era o favorito para vencer o pleito para presidente. Bolsonaro aparecia com 19%, seguido por Marina (8%), Alckmin (6%), Ciro (5%), Álvaro Dias (3%), Amoedo (2%) e Meirelles (1%).
Havia transcorrido dois anos do golpe contra Dilma. E qual era o “clima” da população naquele momento? Ao mesmo tempo em que era bombardeada pela grande mídia com repetidos ataques ao PT e a Lula, o povo vivia as agruras do agravamento da crise econômica e social, com a aprovação pelo Congresso Nacional das contrarreformas trabalhista e previdenciária que retiravam direitos; a aceleração da precarização do trabalho; o agravamento do desemprego e a queda da renda do trabalho.
Em síntese, a desesperança dominava o sentimento do povo, que via nas instituições a razão da perpetuação de seu sofrimento, gozando essas, portanto, de enorme desaprovação popular. A classe dominante (burguesias financeira, industrial e agrária), com parte do “problema” resolvido – o TSE impedindo a candidatura de Lula – notou a anemia eleitoral dos candidatos da direita tradicional (Alckmin, Dias, Amoedo e Meirelles), todos fortemente identificados pelo povo como candidatos do “sistema”, e percebeu que o único capaz de derrotar Haddad, o substituto de Lula, era Bolsonaro, que embora fosse mais um da classe dominante, espertamente vociferava o discurso antissistema.
Ciente de que as instituições brasileiras funcionavam mal, estavam profundamente desgastadas e eram impopulares, Bolsonaro se projetou como o antissistema, e amealhou milhões de votos com base nesta falsa imagem.
Segundo pesquisas de diversos institutos, poucas instituições eram (e são) bem avaliadas pela população. No topo, costumam aparecer os bombeiros, os Correios e o SAMU. Com avaliação regular, mas em queda, aparecem as FFAA e as igrejas. Com pouca credibilidade são citadas as ONGs, sindicatos, grandes empresas e órgãos de imprensa.
Já com baixíssima credibilidade a lista é mais ampla: Polícias (PF, PMs e PCs), Congresso, governo federal, Judiciário (STF, STJ, TSE, CNJ), redes de TVs, Ministério Público, PGR, TCU, agências governamentais etc. São, em sua maioria, instituições “disfuncionais” que geram uma permanente crise de governabilidade.
Começando pelo Congresso Nacional, onde predomina o paroquialismo, com a maioria dos políticos buscando cavar projetos e recursos para suas clientelas específicas, impondo ao “presidente de plantão” a necessidade de formar maiorias artificiais, o que exige uma elevada contrapartida de caráter fisiológico.
Passados três anos e meio de serviços prestados ao “sistema”, umbilicalmente ligado ao Centrão, Bolsonaro tenta novamente encarnar a condição de candidato antissistema. E isso precisa ser desmascarado. A esquerda não pode cair na armadilha de, ao fazer a defesa da democracia, sair defendendo instituições tidas como democráticas, quando, na verdade, sabemos que não passam de instrumentos de sustentação de um sistema que explora e oprime a imensa maioria de nosso povo. É tudo que Bolsonaro precisa para propagar seu falso discurso antissistema.
A esquerda faria melhor se apontasse uma saída para a situação. E ela existe. A Constituição de 1988, que já não era nenhum primor, recebeu 118 emendas nesses 34 anos, a maioria representando retrocessos, e em muito pouco expressa hoje a vontade popular.
Em se materializando a derrota da direita em outubro, deveria o presidente eleito convocar um plebiscito para que o povo decida sobre a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva, que, como no Chile, abra caminho para se fazer a devida limpeza em instituições empedernidas, varrer outras, se livrar da tutela militar e erigir uma “carta” que efetivamente garanta uma sociedade livre, justa e solidária.
Defender a democracia, sim! Instituições autocráticas e impopulares, não!
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia